A cidade visível e as máquinas soberanas
As reflexões, muita vezes, me deixam confuso. Ajudam o debate, dão uma balançada na preguiça, brincam com certas ingenuidades que carregamos. Mas gosto também de sentir e a pensar conversando com o que estou vivendo, Coloco-me, então, mais próximo do outro, tomo alguns sustos e me reconheço no espelho. Dialogo com sentimentos que despertam os limites e mostram que o fôlego multiplica o desejo e a coragem. Portanto, minha escrita tem muito do que experimento. Há surpresas que o inesperado me reserva, porém as magias movimentam a imaginação e o afeto.
Mora numa cidade que me cativa. Uso o verbo no presente. Não será um engano? Acho que tive amores mais explícitos. Sou um pouco recolhido. Aprecio ficar em casa, ler um livro e ,sobretudo, curtir um som. A sensibilidade é fundamental. O mundo é diluído, preserva ambiguidades, desfaz esperanças. Há muito que afirmar. Não vou me aprisionar à velha dualidade e proclamar a existência do bem e do mal. Quem sabe o conteúdo dos desacertos, das espertezas, das megalomanias, das competições? A vida corre numa velocidade cada vez mais visível. Não me furto de buscar compreendê-la, no entanto desprezos e apatias flutuam como um tapete das mil e uma noites.
Nem por isso, desistirei de bordar minhas conversas e minha escrita. Tenho que fortalecer a sintonia, para não perder o fascínio pelas curvas. O mundo possui cores diversas, não posso reduzi-lo a um único silêncio ou ruído. O desafio é navegar na simultaneidade do tempo. Nem sempre encontro um cais disponível, nem sempre sobra espaço para esticar o corpo. Se cidade onde moro me abre seus braços, não me acorda anunciando medos, os desejos podem sorrir e enfrentar travessias com malabarismos divertidos. Quando os estranhamentos invadem o cotidiano a atmosfera da solidão se amplia.
Falo da cidade, porque é meu lugar de entrega e também de fuga. Prossigo, sem vacilações. O que me cativava está ganhando distância. Não sei dirigir. Isso me afasta dos tumultos mais violentos do trânsito. Observo que há uma preocupação frequente com a chamada mobilidade. Não me restrinjo, apenas, ao movimento dos automóveis. As mudanças aparentes tornam a sociedade desenganada. Oimobilismo existe no meio da turbulência. É uma contradição, porque confundimos a superfície com o mergulho no abismo. Fechamos os olhos e soltamos as ambições individualistas mais comuns.
A cidade está repleta de máquinas. Não adianta ressaltar que elas facilitam a convivência e trazem agilidades. Não me convenço. As multidões se divertem com o descartável, cantam em espetáculo milionários, se seduzem com as formas das máquinas. Há muita dominação escondendo os projetos de autonomia, diminuindo seus impactos, distraindo-os com o supérfluo. Não quero decretar a inutilidade da máquinas. Não tenho pretensões proféticas. A cidade está se acanhando. É um lugar de negócios atrapalhados e egocêntricos. Quem os combate termina traçando lógicas desordenadas? Qual serão os significados de cativar, de fluir, de espreguiçar-se? E a máquina é um registro do controle ou uma invenção lúdica?
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