A história e a perfeição, Romário e a política
Afirmar que a perfeição é a negação da história deixa muita gente desandando. Parece uma parceria com o absurdo. Mas não há como negar a nossa incompletude. Buscamos sempre. A felicidade não se concretiza, depois de séculos de culturas e descobertas. Vivemos num equilíbrio instável, como disse Freud. O bom é que a história continua. Não houve desistência coletiva, o fôlego se mantém. Na necessidade e no desejo de preencher as lacunas , traçamos as curvas dos caminhos e seguimos, apesar das vacilações.
Não seria um exagero desconfiar das incertezas. As desigualdades permanecem. Há uma dificuldade de derrubá-las, pois as promessas e as profecias fracassam. Os desafios são constantes, desde os inúmeros mitos criados em torno do paraíso. Todos se recordam das tentações de Adão e Eva, das imprudências de Epimeteu, das coragens e medos de Édipo, das arrogâncias de Zeus. Não faltam escritas, nem memórias. Sobram divergências e rebeldias, na forma de interpretar os atos e as metáforas.
Não esqueçam que Platão não via, com muito respeito, os poetas. Sua República, idealizada, estava repleta de hierarquias. Dava conta das perguntas do seu tempo. Mais recentemente, outras contendas transparecem e ganham humores especiais, na filosofia e nas disputas mesquinhas. Maradaona catuca Pelé, com a vara curta, e provoca polêmicas exploradas, com prazer, pelos noticiários internacionais. Não reconhece as qualidades do Rei e o ironiza, com exaustão. Ninguém se cala nos bordados da cultura. O futebol é território fértil de idas e vindas. Uma fofoca vale milhões.
A incompletude faz com que as escolhas não sejam as mesmas. Corremos riscos. Somos aventureiros no traçado das trilhas possíveis da existência. Não temos a onisciência dos deuses. Nossos mantos podem virar tapetes mágicos ou farrapos de cartografias tecidas, com linhas desfiadas. Nada de planícies extensas, sem terrenos escorregadios ou moradias angelicais. A surpresa não se descuida de apontar por andam saídas inesperadas. As esquinas se submetem a sinais que abrem e fecham sem avisar. Há vulcões, oásis, florestas, mangues, oceanos… Cada momento pode ser o espelho do outro. Ventos e tempestades se anunciam, em dias de sol exuberante.
Não é para menos. Romário é ,agora, deputado, depois de uma longa perseguição pelos mil gols. Vai mergulhar em novas questões. Sua popularidade sofrerá abalos ou reconfigurações. Será que ele se vê fora dos tempos de ídolo e artilheiro das grandes torcidas? Com certeza, encontrá outras convivências, outras artimanhas. As expectativas e lembranças se diluem, cenários formam-se com outros sujeitos e discursos. Romário não é ingênuo. Política é política. Futebol é futebol. Atravessar o mundo significa ser sensível às diferenças.
Becos, ruas estreitas, avenidas, praças vazias compõem o cotidiano, com cadências inconstantes. Desconhecer os deslocamentos é perder as possibilidades de redefinir-se. Com todos os desenganos vividos, ainda, se arquitetam esperanças e ousadias. O gol acontece, muitas vezes, no final da partida. Uns choram, outros sorriem. O imprevisível não se esconde, como as estrelas em noite de chuva. A história insiste para que exista o amanhã, mesmo que os pesadelos se instalem no leito da fantasia.
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Antonio,
Desde alguns destes nossos tempos recentes, temos figuras de outros mundos entrando na política. Romário, Tiririca, Clodovil, Frank Aguiar, etc…
Atores, cantores, artistas em geral, atletas… Este movimento significa a presença do “espetáculo” na política? Ou seja, isto seria, além de protesto, ficção?
Daniel
Boa observação. A política tornou-se lugar comum de disputa. Pouca ética e muito rótulo. O coletivo se desmancha na sedução vazia. Vale a frase fatal: tudo é mesmo mercadoria.
abraços
antonio paulo