A nudez das lembranças, o absurdo persistente
Lembranças fragmentadas. Poder-se-ia pensar a vida sem a imaginação das lembranças? Elas se apresentam sempre repartidas, com rapidez, parecendo luzes de relâmpagos? A vida por inteiro é um sonho. Não há como juntar todas as cenas, escrever um enredo monumental e sair buscando as alegrias e apagando os desprezos. Para quem habita no território da incompletude, as fugas são poucas e os limites são muitos.
O reino do tempo é vasto. Há divisões. As periodizações variam e se vestem de multiplicidades imensas. Olhando cada cotidiano, desenhando cada instante, observamos que temos escasso domínio sobre o que acontece. Há quem opte pelo determinismo, se apegue às razões das causas e das consequências. Não me conformo com as simplicidades. A confusão é grande, a linearidade, uma armadilha.
Portanto, os fragmentos estão por aí. Formam histórias, costuram teorias, procuram origens. Então, os encantamentos trazem possibilidades, refazem desejos, mas tudo tem um efêmero que tumultua qualquer previsão de um futuro organizado e solidário. As lembranças ajudam a retomar comportamento e a não esquecer que a nudez da vida não é sempre cruel e fria.
Diante das complexidades, resta a capacidade de inventar. Ficamos no meio das verdades e das mentiras, numa sociedade que se balança no sucesso e se seduz com as formas das mercadorias mais sofisticadas. Não há cultura sem hesitações, contrapontos, discordâncias. O ponto final é uma ilusão e as perguntas não cessam de acender a inquietude.
Mesmo que as lembranças tragam imagens quase apagadas, não desistimos. Sem as conversas sobre o mundo, como se construiria a memória? Se alguns promovem a incerteza, outros gostariam da acomodação. Fariam um pacto com Adão e Eva para arquitetar outro paraíso e extinguiriam o peso do pecado original.Tudo é possível se a utopia não se desintregra.
Talvez, os deuses se omitissem de vez e curtissem eternidades sossegadas.Somos seres que produzem ambiguidades incansáveis. As origens são nebulosas, as lendas contam fantasias e distraem medos. Nem por isso, o mundo não deixa de ser povoado por fantasmas com labirintos simbolizando desenganos constantes.
As travessias sintetizam aventuras que não se aproximam de fim, apesar das muitas escatologias. Os mitos nos cercam. Instituem-se fronteiras. A vida não se resume, contudo, à sintonia permanente. Não há como anular os desafios e consagrar destinos definitivos.A história se prolonga, porque o vazio incomoda e é preciso que as narrativas apontem para algum lugar. O absurdo dói.
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