A violência frequente e os desmantelos da convivência

É  intrigante repetir assuntos que demonstram os desgovernos da sociedade. Mas não se pode deixar a crítica, nem tampouco esvaziar as denúncias. Valem muito as informações, os registros cotidianos que não se cansam de anunciar que a violência anda solta. É preciso ter notícias, é preciso saber como agir para desmontar tanta agressividade. As informações, apenas, descrevem o que aconteceu. Colocam reclamações, a população se inquieta, porém a superficialidade impera. As soluções aparecem limitadas a trocas objetos, a reformulação no sistema de segurança, a acusações aos desacertos policiais. Espera-se que tudo se resolva, sem análise de como se movimenta a convivência social e o que estimula a competição.

Não faltam leis, limites, reuniões para sugerir medidas. A violência não se resume a assaltos a bancos ou empresas. Ela se espalha pelas ruas, desmancha o prazer das diversões, aprisiona muita gente em suas casas. Há medos e desesperos. As torcidas organizadas invadem o asfalto e provocam mortes, depois de uma partida de futebol. Parece uma guerrilha urbana. Tudo articulado pelas redes sociais. O espetáculo das pancadas substitui o espetáculo da bola. Será uma dificuldade de enfrentar as diferenças e fazer da disputa um caminho de salvação para esquecer desempregos e hierarquias opressoras?

As populações das cidades vivem tensões frequentes. Estão longe de desfrutar confortos trazidos pelas invenções pós-modernas, sem surpresas negativas. Os acontecimentos envolvem multidões, um aparato de milhões de reais, negociações constantes nos bastidores que resultam em concentração de poderes. Nem pense que o governo tem o monopólio das decisões. Um show, como o do ex- Beatles Paul, exige trocas e não são poucas: a venda dos ingressos, a contratação das equipes, as escolhas dos convidados Vips, o patrocínio e montagem do palco. Tudo ferve. Somos espectadores, curtimos a música, elogiamos os bons desempenhos. Se algo decepcionou, não há muito espaço para reclamação. Os riscos existem. Nada navega na tranquilidade.

Dizem que não haveria história sem conflitos. Os homens são seres individualistas, apesar de toda sociabilidade. Não esqueça as teses de Maquiavel, Hobbes, os discursos dos liberais. Freud não era otimista. Ficou perplexo com as pulsões agressivas, desencantou-se. Viu na felicidade um equilíbrio instável. Nem há alegrias permanentes e as disputas giram na gangorra da vida. A cultura não consegue fechar as portas dos descontroles. Não adianta manipular nostalgias. Nos tempos medievais, na antiguidade clássica, no século das revoluções burguesas, as esperanças se misturavam com os confrontos, os mitos também aprontavam suas guerras.

Quando o capitalismo ganha o mundo, a concorrência se alarga, as teorias chegam defendendo contradições e naturalizando comportamento e dissidências. Nem todos se apoiam no estímulo aos preconceitos culturais ou nas justificativas que a desigualdade faz parte do social. Talvez, não haja alternativas para a construção de convivências organizadas, com ritmos de confraternização e solidariedades ativas. Existem dominações de cores diversas, opiniões que convencem, mesmo que se transformem, depois, em lugares de desconcertos e desconfianças. A multiplicidade ajuda a pensar a democracia, contudo possui seus desenganos. As travessias da história não garantem sentidos, nem direções determinadas.

PS: Lembrando que as mudanças nos textos se dão na terça, quinta, sábado e domingo.

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2 Comments »

 
  • Jonas dos Santos disse:

    “As torcidas organizadas invadem o asfalto e provocam mortes, depois de uma partida de futebol. Parece uma guerrilha urbana. Tudo articulado pelas redes sociais. O espetáculo das pancadas substitui o espetáculo da bola. Será uma dificuldade de enfrentar as diferenças e fazer da disputa um caminho de salvação para esquecer desempregos e hierarquias opressoras?”

    Professor, nessa passagem o senhor me faz lembrar das consequências quase invisíveis oriundas do sistema capitalista. Essa sensação de vazio que às vezes sentimos preenchemos com o futebol, fazendo dele praticamente uma religião.

    E se enganam os que acham que a violência no esporte só acontece no Brasil, pois vemos que na Europa a violência ocorre sim, com motivos às vezes tão fúteis quanto os daqui.
    Nessa última Eurocopa vimos verdadeiros campos de guerra na cidade-sede, onde “torcedores” descontavam no futebol intrigas de anos e anos atrás entre os países.

    Abraço!

  • Jonas

    É impressionante como os conflitos se estendem, Há uma competição que inquieta e cria rivalidades. Daí, as ansiedades e invejas mexendo com todos.
    abs
    antonio

 

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