Os sinais facebookianos:intimidades reinventadas

Gosto de retomar temas que fazem parte do cotidiano. Divirto-me, mas sou atento.Observo, tiro conclusões. Uma aprendizagem que percorre minhas travessias desde cedo. Nas convivências, o mundo se enche de multiplicidades. Surgem surpresas. Registrá-las ajuda a pensar e conhecer territórios. O caso do facebook me toca. Tinha preconceitos, derrubei afirmativas e entrei nas navegações. Faço tudo com muita disciplina. Não cultivo ficar solto. Não perco o olhar contemplativo que entrelaça permanências e mudanças. Todo mundo se parece e se distancia, assim seguem as sociabilidades complexas e instigantes.

Por mais que destaquemos os mistérios da solidão, as relações giram. Há tempos de imensas inércias, outros de assanhamentos contínuos. É sempre bom procurar construir divagações, mesmo passageiras. As invenções modernas trouxeram hábitos inesperados. Os impactos do cinema, do telefone, do rádio, por exemplo, agitaram modos de conversar e especular sobre o comportamento dos outros. As cidades cresceram com a chegada das novidades: muita quantidade, pouca quietude, desejo de consumir e não se sentir ultrapassado. Ninguém consegue fugir de tantos estímulos que também provocam violência, ambições, desigualdades. É um assunto vasto, com desencontros e fascínios frequentes.

A tecnologia não tem cessado de investigar e construir suas máquinas. Há supérfluos, ornamentos e coisas que se infiltram no dia a dia. Muitos não saem de casa sem levar o celular. As máquinas acompanham, produzem rituais. Portanto, há confusões e misturas. Os sentimentos não ficam ausentes. Há quem carregue a afetividade para lugares, antes, estranhos.  A perplexidade transforma diálogos psicanalíticos, atiça neuroses, mas como negar que existem os apaixonados pelos modelos de automóveis ou pelos passeios sagrados no shopping? Perguntas se avolumam. A cultura cria objetos e entramos na vitrine sem muita hesitação. As mãos se estendem para que os toques se firmem ou se refaçam.

No facebook, há uma reunião de habilidades e desafios. Exaltam-se amizades. Não preciso fazer  comparações com a chamada realidade. Ganha-se na ficção. Construímos relações que se desfazem em semanas. Encontramos, contudo, companheiros que trazem recordações de outros tempos. Não se estabelecem padrões fixos. O fugidio, o anônimo, os disfarces impressionam. Há quem se envolva com consultas na madrugada para festejar seus afetos recentes, visualizados em pequenas fotos. Quem são eles? Será que merecem um lugar nos romances de Machado de Assis? Ou será melhor conservá-los nos seus labirintos, rindo de longe das suas ansiedades, mostrando-se próximos do seus problemas?

Tudo não termina por aí. Como findar um universo tão mágico? Existem os compartilhamento, as curtições, os comentários. Há grupos fechados. Os protestos são comuns. Campo aberto para o discurso de todas as cores. As chamadas redes sociais configuram políticas, sacodem denúncias.  Não compreendo quando alguns insistem em ressaltar a monotonia e o vazio marcantes de facebook. As invenções possuem ambiguidades. Haverá outras maneiras de comunicar e críticas persistirão. É preciso que as divergências não se acomodem. O homogêneo é perigoso. Condenar sem conhecer não movimenta a cultura. Desenha ressentimentos. O facebook será, um dia, coisa do passado. As lembranças nos ajudam a firmar comparações. As conversas mudam e os amores tropeçam. O humano é muita travessia.

 

You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.

6 Comments »

 
  • Anderson Rodrigues disse:

    Gostei muito do texto. O papel da intelectualidade é de perceber esses espaços de mídia como um grande reflexo do social contemporâneo. Para mim, condená-los, é andar contra a corrente e se distanciar do verdadeiro elemento de estudo das humanidades: a sociedade.

  • Anderson

    Temos que seguir adiante, sem deixar de ver os vazios. Mas fazer juízos de condenação, sem saber as razões, não adianta.
    abs
    antonio

  • Isaquel disse:

    Professor, texto excelente. Mais uma vez parabenizar a sua sensibilidade em captar as variadas sociabilidades do mundo atual. Essa temática é inesgotável e requer muita cautela nas avaliações. Todavia, um texto como esse faz uma boa síntese dos efeitos das redes sociais em nosso cotidiano.

  • Isaquel

    O tema é mesmo polêmico. Grato, pela leitura.
    abs
    antonio

  • Aldo Nogueira disse:

    o texto acima é de uma lucidez que transcende a qualquer opinião contrária. Vivemos um tempo solitário ou não, dependendo das ferramentas que você utiliza para se propor diante do mundo e das coisas, nunca estamos sozinhos neste novo mundo. A tecnologia chegou e está aí para sermos seu autor e seu destruidor, pois compartilhar a vida se virtual ou não sempre é preciso, o cérebro existe e as palavras não precisam apenas serem ditas, podem ser escritas e fincadas num disco qualquer. Parabéns, Antonio.

  • Aldo
    Estamos numa época de muitas ambiguidades. Temos multidões, experiências solitárias e muita tecnologia renovadora. Somos, porém, os inventores de nossas histórias.Há busca e escolhas que não cessam. Grato pela leitura.
    abs
    antonio

 

Deixe uma resposta

XHTML: You can use these tags: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>