Consumos avulsos: carros, pipocas, motos, ilusões
A sociedade de consumo exige esperteza. Não gosta de apatia, de gente com dinheiro preso ou desligado do movimento das mercadorias. O importante é agitar o desejo e tentar dirigi-lo para o mundo fantástico das invenções tecnológicas. Mas isso é pouco. Tudo pode ser vendido, não precisa tanta sofisticação. Cada caminhada oferece ornamentos, novidades, artifícios, competições. Há uma obrigação, às vezes, subterrânea, de se atualizar. Não interessam profundidades ou reflexões exaustivas. Basta olhar, descontrair, sem deixar de lado os cartões de crédito e as moedas mais modestas. Prepare-se, na esquina da praça a moça da tapioca se instala e a padaria possui deliciosos doces.
Por que se negar ao paraíso? Ele tem gosto de coco e chocolate, cheiro de café expresso. As bancas de jornal trazem notícias. Não posso deixar de lê-las. E as revistas especializadas em assuntos esotéricos, na fama dos artistas, nos programas de fim de semana? Qualquer descuido me faz um estranho na conversa com os amigos, todos parceiros de informações e donos de raciocínios rápidos como as propagandas de televisão. Ficar à margem de tanto rebuliço é ameaça de melancolia, diz o apressado leitor de livros de ocasião. É preciso energia e ânimo. Consulta ao google, visitas ao facebook, e-mails para os conhecidos.
Comprar é um verbo poderoso. Mistura-se com os mandamentos recentes da euforia desenvolvimentista. Quem não compra se sente desprezado, sem assunto, perde-se nos pensamentos e despreza o eixo da vida contemporânea. Por isso, a globalização não descansa. Estimula o mercado, não se preocupa com o Sudão, com a violência na Síria. Simula generosidades, porém admira o fluxo do capital e a vaidade dos seus senhores. A utopia toma outras direções.Valem o individualismo e as vitrines dos shoppings. Quem aparece, não dispensa colunas sociais, está no meio das fofocas e das badalações. A intimidade é revelada sem acanhamentos. Nada como atiçar os outros, mostrar desenvoltura nos negócios gerais.
O último modelo foi lançado, com antecipações e festas para os privilegiados, muita urgência e fila na porta de entrada. O ritmo da sociedade de consumo é alucinante, cultiva desigualdades e não simpatiza com certos grupos sociais. Constrói hierarquias, para evitar tumultos e manter as segregações. Nada de democracia, embora todos anunciem ser liberais, contra preconceitos, interessados nas lamentações do mundo. A máscara também é um artigo de primeira necessidade. Saber fingir é uma arte que tem espaço e adeptos. Consumir consolida posições sociais e amizades destacadas.
Desculpe-me os exageros, os descuidos, as ironias. Fazem parte das corridas pelas emergências frequentes da pós-modernidade tão debatida. Dificil é localizar onde se estabelecem as fronteiras entre a ficção e o real. Não me preocupo muito com os paradoxos, nem com verdade inabaláveis. Está tudo muito misturado. Lembro-me das letras de Raul Seixas, o profeta. A sociedade de consumo celebra o cinismo, o delírio, a cidadania negativa. Até onde conseguirá permanecer dominante? Uma pergunta que provoca a imaginação. Não custa desconfiar das armadilhas e das ilusões. Viver sem comprar é impossível. Encontrar o equilíbrio incomoda até Freud. Vamos lá.
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