Desgovernos, rebeldias, consumos, aventuras
Manjares de plástico, sonhos de plásticos. É de plástico o paraíso que a televisão promete a todos e a poucos dá. A seu serviço estamos. Nesta civilização onde as coisas importam cada vez mais e as pessoas cada vez menos, os fins foram sequestrados pelos meios: as coisas te compram, o automóvel te governa, o computador te programa, a TV te vê. A citação de Eduardo Galeano é síntese do mudo que vivemos. Ela mostra o avesso do que aparece. Inventamos tantas coisas e não sabemos o que fazer com elas. Submergimos na perda da autonomia, sem compreender que caminhos estão traçados.
Nem todos se harmonizam com os desgovernos da sociedade de consumo. Há quem critique e perceba sua máscara. A luta social continua, pois não há uma homogeneidade absoluta. Mesmo com os artifícios da mídia, o mundo se fragmenta. Os conformistas se incomodam com os rebeldes, a situação econômica de muitos denuncia que a desigualdade tem crueldades constantes. Não existe o tão ambicionado equilíbrio. Os vazios criam condições para fermentar protestos e desfazer ilusões. A globalização se estende, promove conquistas, mas os remendos são grandes e a violência persiste ao lado de hierarquias políticas.
Não só as regiões pobres passam dificuldades e atravessam cotidianos de desacertos. Na Grécia, a povo está nas ruas. O confronto aumenta, pois a crise ameaça atingir a sociedade, com desemprego e restrição aos serviços públicos. A Europa não vive momentos gloriosos. Há vacilações, medo de desmantelos profundos. Portugal também se encontra na beira do abismo. Observa-se a falta de solidariedade. A memória dos desconsertos do século XX, ainda, é muito forte. A presença do imigrante inquieta.Os aeroportos espanhóis, por exemplo, têm proibido a entrada de brasileiros, criando choques diplomáticos. Como os confrontos, no Oriente Médio, milhares de pessoas foram buscar abrigos no continente europeu. O desespero não cessa, diante dos descontroles e autoritarismos dos ditadores.
Os cantos da democracia enfraquecem-se, pois não há como alargar a solidariedade, num sistema marcado pela competição. O estrangeiro termina sendo visto como um intruso, um perigo para ordem dominante. As utopias já desmoronaram. Valem o pragmatismo e valorização do conforto. Os espaços dos privilegiados não podem ser contaminados, pelas necessidades dos que clamam por alimento e sossego. As rebeldias surgem exigindo o mínimo: querem a garantia da sobrevivência.Os paradoxos assustam, porque há, também, incentivo ao consumo, crédito para renovar as vaidades e a acumulação de objetos.
No Brasil, as ambiguidades têm quebrado a atmosfera de euforia, tão exaltada em tempos recentes. Organizam-se greves de protesto contra os péssimos salários e as condições de trabalho deficientes. O desenvolvimento não poder ser avaliado pelos números gerais que escondem as explorações. A situação dos hospitais, das prisões, das escolas é precária. As dívidas dos consumidores começam a trazer prejuizos para o comércio. É preciso que o exagero não cegue e as prioridades reforcem o sentimento do coletivo. De nada adianta as ruas estarem perfumadas de gasolina e repletas de carros do ano, se o transporte público despreza a maioria, escrava dos seus horários.
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A sociedade de consumo é produto do capitalismo, e o capitalismo pressupõe acumulação de riqueza para apenas uma pequena parcela da população. O capitalismo econômico atual cria naqueles que não fazem parte do grupo seleto dono da riqueza a ilusão de poder comprar desenfreadamente com a mágica chamada crédito. Os salários são mantidos baixos, o que estimula mais ainda as compras em prazos a perder de vista. Em contrapartida, serviços públicos custam caro e ele não pode ser vendido a prazo à população. A Europa, que se recusa cada vez mais a receber imigrantes (que ironia: os europeus se meteram em cada pedaço do mundo nos últimos cinco séculos…), reflete a preocupação da elite, que não quer gastar mais com o talvez não lhe traga lucro imediato. Ecoa a frase do economista Milton Friedman, defensor e modernizador da teoria do livre mercado: “There is no such a thing as a free lunch” (“Não existe almoço grátis”).
Abs,
Gleidson Lins
Esta onda de protestos que ocorrem no mundo funciona como
um termômetro da situação econômica do planeta.
Com o fim do socialismo real os escudeiros do capitalismo
americano gritaram em tom elevado a vitória.
O tempo passou e hoje podemos ver que não é bem assim.
É verdade que o socialismo nos moldes que foram impostos
na União Soviética,Cuba e China foi um atentado a humanidade,porém isto não quer dizer que encontramos no sistema americano o modelo ideal pra o mundo.
Estas crises podem ter um efeito positivo, de estimular filósofos a pensar um mundo melhor.
Paulo
Tudo indica que há descontrole. Muita desigualdade cria tensões. Nada como rever certos absurdos.
abs
antonio paulo
Gleidson
Boas observações. Se tudo tem um preço, fica difícil pensar na coletividade e sua forca de solidariedade.
abs
antonio paulo
As estatísticas são maquiagens da nossa realidade,a tirar pela utopia que é a estimativa da renda per capta.
Os desconsertos mundo a fora atentam para os abismos de um mundo capitalista.
Ao menos os gregos reagem, melhor dizendo, sabem reagir e declarar suas insatifasções..fruto da educação diferenciada. Por aqui as insatisfações são silenciadas para não ferir o comodismo. As reclamações são meros murmuros.O povo brasileiro ainda não aprendeu a lidar com a força que tem. E assim como grandes touros,segue puxando carroça.
Monique
Se não há inquietação o mundo cai numa mesmice terrível. As relações sociais são desiguais e isso precisa ser mudado.
abs
antonio paulo
Ao ler o esse texto lembrei-me de “Leônia” uma das Cidades Invisíveis de Calvino.
Manuela
Boa lembrança. As cidades de Calvino são belas e insquecíveis.
abs
antonio paulo