Escrever palavras, desenhar curvas, atiçar desejos
Pode sentar, sem tensões. Não conte os minutos, mas não negue as distrações. O significativo é passear pelas palavras. Elas se articulam. Não pense que elas sempre dizem a mesma coisa. Estão muito além de serem, apenas, ornamentos da cultura. Muitas vezes evitam vazios e compõem ruídos para evitar silêncios incômodos. Possuem suas vaidades. São rebeldes, mas aceitam negociações. Sabem da sua proximidade com a invenção do mundo. Nunca esquecem os poetas, nem desprezam os amantes das profecias. Aconchegue-se.
Escrever é soltar-se para o cosmo. Quem lê não está só, gosto do diálogo, rumina sem constrangimento. Há pactos que não precisam de definições rígidas. O importante são as empatias. Querer que certas verdades pareçam soberanas é uma pretensão passageira. Não razão para abandonar as ameaças e imaginar parques com rodas-gigantes com rosas vermelhas perduradas nos seus vãos. A escrita não se circunscreve num destino. Ajuda a necessidade de conjugar verbos e refazer adjetivos, para deslocar os traços das sociabilidades antigas. Faz o tempo passar, sem pedir medidas ou olhares precisos para os ponteiros dos relógios. Levita.
Pode sentar. Não se assombre com a tela do computador, nem se impressione com o poder dos teclados. Se, de repente, tudo desaparecer, faz parte do acaso que não se afasta da tecnologia. Somos criaturas, por isso estimulamos linguagens e desenhamos sonhos, como geometrias com curvas e retas infinitas. A cultura existe, também, para animar cada ação sem o peso secular do arrependimento. A maçã está sendo vendida na esquina, sem problemas, vermelha e cheia de agrotóxicos. Há muito tempo que se foi do paraíso. Preste atenção que as palavras vestem os desejos e as mentiras, explicam fórmulas e dão sentido aos discursos. São criaturas.
Cem anos de solidão cabem num romance, por que, então, fugir da magia e achar que o encanto se desmancha? Estabeleça o tamanho dos labirintos das suas fantasias. Não se iluda com as clarezas, nem menospreze as sombras. As ambivalências movimentam-se nas histórias das formas mais inesperadas possíveis. Duvida? Leia Deleuze, Mia Couto, Platão, Albert Camus, Saramago, Octavio Paz e observe as circularidades, o eterno retorno. O voo é longo e não necessita de reservas, mas sensibilidades agudas e traquinas.A dimensão trágica que visita a incompletude humana não é patológica. O engano é encontrar-se com o absoluto em algum fanatismo delirante. Disfarce.
Shakespeare escreveu mostrando as amarguras do ser e as linhas das melancolias. Tudo isso não se localiza num único espaço, nem reserva a sintonia de um único ritmo. Difícil é traduzir a complexidade, pela diversidade dos seus sinais e os entrelaçamentos das suas análises. Sócrates não é desconhecido de Kant, nem Foucault elimina o toque das reflexões de Marx. O perfume é o mesmo, com sutilezas e ousadias. O humano se busca na escrita, nas narrativas, não importando datas ou celebrações. A cultura é respiração. Eleja o significado das andanças do coração e não aprisione nada. A vida se estende, no grito, no afeto, na expectativa, na convivência. Reparta.
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Professor gosto muito do seu blog, espero passar no vestibular da federal próximo ano e ter suas aulas.
Isak
Desejo boa sorte. E muita concentração. Grato.
abs
antonio
Professor,
Gostei bastante da postagem, acho que é por aí mesmo, quer dizer, procurar dirigir questões ao que está sendo lido instiga a releitura e a escrita. Um complementa o outro. Nesse sentido, embora o presente texto seja leve e objetivo, ele não está fechado sobre si mesmo. Pelo contrário, assinala outras veredas e provoca horizontes. Questões emergem quando curiosidade e crítica caminham juntas. Por isso a figura de Mafalda junto ao globo terrestre, ela representa a inquietação e a desconfiança em relação à concretude do real. E assim é o cientista das humanidades, uma criança-adulta.
abraços,
João
Grato pelos seus comentários.
abs
antonio paulo