Há contrapontos de silêncios inesperados?

Há dias que acontece um travamento estranho e geral. Parece que se institui um silêncio interior, totalmente, incomum. Procuramos diálogos, estimulamos lembranças, afirmamos saudades, mas nada se agita. A calmaria não cede. As palavras fogem e as metáforas se acomodam. A inércia e a apatia exercem uma soberania sufocante. O pior é a perplexidade. Há uma melancolia que compromete o ânimo da vida. Talvez, uma longa reflexão. Talvez, um cansaço repentino. A mente e o coração se dispersam como se promovessem um desencontro desnorteante de tempo indefinido. O rosto olha-se no espelho com indiferença, escondendo a palidez de um susto anônimo.

O silêncio se completa. Nada é absoluto, sabemos. A sensação do absoluto, porém, aparece e traz ilusões. Os instantes pesam como se fossem horas, dias, meses. As relatividades das linhas do tempo possue configurações velozes, quando os sentidos se desequilibram e as medidas se desmancham. Pode ser o sono ou a desconsideração com as circunstâncias do mundo. Nem sempre é possível ativar a consciência. Há sinais de tonturas que deixam as imagens desfiguradas. Pela janela, os movimentos dos carros e das pessoas servem para retomar o contato com os ruídos e desfazer o susto. Para que serve mergulhar numa interioridade que não se comunica e sepulta as identidades vadias?

As histórias de dentro e de fora compõem a vida. Dizer onde está o começo de tudo é uma agonia. Quem sabe? Quem especula? Quem não suspira quando observa a falta de luz e a energia esvaziada? Esta falta de controle, sobre certos momentos da vida, não é privilégio, nem desenha caminhos esburacados, sem alternativas, feitos nas vizinhanças dos abismos. A distância entre a vida e a morte faz parte de uma geometria vacilante. O saber científico desvenda mistérios, mas tergiversa e confirma as incompletudes e o desejo de abraçar a eternidade. Os imaginários das culturas alertam para que as fantasias não adormeçam, pois seria a decretação do fim da história.

A ficção está presente e se estende por todas as épocas. Não se trata de delírio, mas de conversas que tornam as lacunas suportáveis. Portanto, é impossível olhar o real como uma fotografia imóvel. O corpo se alimenta de deslocamentos, não se exaure com os ataques do silêncio. Nem sempre conseguimos percebê-los. Não herdamos todas as astúcias de Ulisses, passeamos por uma cultura que se julga ambiciosa e racional. A medida da grana é uma ameaça à sensibilidade que ousamos substituir por tecnologias e fórmulas matemáticas.

O silêncio e solidão podem comungar de instantes e sacudir fora os ruídos que impedem a plenitude da noites. Nomeamos cada significado, não importa que o efêmero derrube promessas ou esfacele durações. A ausência de linguagem é o fim da cultura, a travessia última da história. Melhor é não costurar apocalipses, nem assombrar quem não acredita que a cultura é um invenção humana, habitação de deuses e de arcanjos, ficção ampla de projeções que concretizam mundo. Tudo é muito pouco, para tantas ambiguidades mutantes. O inesperado assusta, o silêncio camufla, a solidão contrai, sem calendários fixos.

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2 Comments »

 
  • Zélia Gominho disse:

    Esses silêncios incomodam; nos deixam inquietos; nos convocam à paciência e ao controle das ansiedades. Dá medo pensar que não há mais palavras para trocar.

    Abraço.

  • Zélia

    A mudez incomoda. A palavra é companheira.
    abs
    antonio

 

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