Imaginar o futuro, desfiar o passado, animar a vida

O presente cativa pelas suas urgências. Somos expectadores do que passa. O futuro acena com incógnitas, sobretudo quando perdemos as medidas do tempo.  Como a velocidade acentua-se, as distâncias se redefinem e as reflexões ganham complexidade. As ficções científicas ocupam espaços diferentes de décadas atrás. Elas foram apressadas, chegaram mais cedo. Coincidem com relações que pareciam distantes e impossíveis. O célebre livro 1984 profetizou, teve extraordinária repercussão, mas as transformações tumultuam e não dão fôlego para vivê-las com paciência. A pós-modernidade negocia, ativamente, com as costuras das épocas. Renega escalas progressivas, mergulha no passado, aposta em repetições e fabrica máquinas inteligentes. Tudo cercado de muita perplexidade.

Li, recentemente, Neuromancer, escrito por William Gibson. A história de Case, visto com um super-hacker do futuro. Lembrei-me de Blade Runner que abalou visões do mundo do século XX. Belo e instigante. No caso de Gibson, talvez menos conhecido, é preciso localizá-lo com mais precisão. Nasceu nos EUA e foi criador, junto com Bruce Sterling e John Shirley, da cyberpunk. Não conhecia e me trouxe deslumbramentos. Segundo os entendidos as obras produzidas pelos autores unem a informática e inquietações históricas e filosóficas com tramas pop violentas e cheias de ação. Para quem acha pouco, Gibson gravou a leitura do Neuromancer, com a participação do U2. Não custa ressaltar que o cyberpunk vem do  ano 1980. Há proximidade com fatos atuais e voos em situações incríveis.

Imaginar o futuro é uma das artes da cultura. Um movimento de transcendência que envolve religião, política, ciência. Mostra que a incompletude não nos abandona. Nunca é tarde para levitar. Surgem idealizações, utopias centradas na justiça, porém, não faltam previsões desconfortáveis. A vida de Case traz confusão, para quem lida com valores lineares. A presença constante de drogas, de tecnologias, de dificuldades incomuns nos levam a temer os desencontros e as especulações colocadas pelo autor. As fronteiras caem e o virtual domina. Quem está morto, quem está vivo, quem se salva? As respostas possuem uma ambiguidade crescente. Case sobrevive, enfrenta limites, viaja pelo mundo, ama. experimenta desafios, mistura identidades. Fica difícil compreender certas ações e escolhas. Há suspenses que não cogitamos no nosso cotidiano. Fiquei com dúvidas imensas.

Naveguei no fabuloso. Sensações de horror e de prazer se sucediam rapidamente. Deslocamentos que exigiam flexibilidade no raciocínio e reconfiguração da sensibilidade. As dubiedades eram soberanas e as paisagens esquistas, dentro das concepções estéticas atuais. O reino do bem e do mal tergiversava. Nem por isso, nostalgias deixavam de ser ressuscitadas e sentimentos (res)significados. O tempo futuro não se isola, não se torna inalcançável. A imaginação tem seu cais no presente, não se esconde do diálogo.Tudo isso contém o humano. Quando as metamorfoses parecem se consolidar, reviravoltas agoniam e desconsolam. O lugar do paraíso está, cada vez mais,desconectado dos sonhos, pois o mundo se decompõe e assusta com violências. As conquistas sociais se desmancham, a riqueza se acumula, os conflitos se acirram. A clareza não existe. Apenas um toque: observe o que acontece na Noruega. É demais pensar na concretização das ficções e dos desequilíbrios? Somos companheiros do inesperado.

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