Italo Calvino: ocupe a cidade (in)visível

A lembrança do livro de Italo Calvino sobre as cidades sempre aparece. A beleza das imagens e da escrita não nega a paixão. Não há como esquecer a leveza e o encanto. Nosso tempo está vivendo grande debates sobre a questão urbana. O  olhar mágico de Calvino nos ensinar a ampliar as observações e não desprezar o lúdico. A cidade não pode ser reduzida a uma coleção de prédios ou a monumentos frios e planejados. Ela é a nossa grande moradia. Não existiria sem relações culturais, sem as idas e vindas dos afetos, sem o desejo de transcender os limites do cotidiano. A cidade é uma invenção de complexidade imensa que não cabe em fazeres mesquinhos.

Há o que se esconde. Na construção da história, as sombras e as luzes se conectam e se conflitam. É preciso não se deixar levar pelas aparências, nem ser tutelado pelos cálculos e lucros. A cidade carrega memória e interpretações do vivido. Não é uma síntese vazia , mas traduz movimentos. Querer torná-la um desenho homogêneo. dominada pelas ambições dos projetos imobiliários, é consolidar concepções de mundo individualistas e alheias às dimensões estéticas que fogem aos ritos das mercadorias. Observa-se que há um mover-se contemporâneo que rompe com a mesmice e redefine as ações urbanas.

O sentir a cidade é uma abertura para visitá-la de uma outra maneira. Formamos identidades e experiências atravessando suas ruas e iludindo seus perigos. Não há como buscar medidas exatas. Há leituras que mostram divergências e acirram conflitos políticos. Não vamos acreditar em neutralidades, embora nem todos se articulem para pensar a cidade e ultrapassar suas fronteiras visíveis. Toda cidade tem singularidades, toda cidade é múltipla. É impossível contemplá-la como um espaço absoluto. Ela acolhe fragmentos, rascunha símbolos, conversa com o efêmero e com a tradição.

Combater a concentração de riquezas e de privilégios é fundamental para ocupar a cidade criando alternativas. A história tem sentidos que passam, não é destino que oprime com regras indiscutíveis.  Caminhar escutando os ruídos do invisível é um exercício de sensibilidade. A ordem dominante exalta a velocidade e a competição. Contrariá-la ajuda a aprofundar a sensibilidade, abandonar as ares da exclusão, não imitar as lógicas que transformam as pessoas em objetos de vitrines. A cidade das datas marcadas fica impedida de respirar a ousadia e a improvisação.Calvino nos convida a não menosprezar o inesperado e não subestimar as travessia da criação.

Os seus personagens não apagam os sonhos, nem tampouco anulam as diferenças, mas fortalecem diálogos que fundam formas e espelhos.Cada cidade possui suas gramáticas e suas geometrias. Convive com as astúcias, com as rebeldias, com a critica aos descuidados. Ela é um território de (des)encontros, porém as possibilidades de animar suas solidariedades não se distanciam das suas lutas. Desnudar suas relações, desvendar objetividades, iniciar aventuras desconhecidas, tudo isso nos traz uma cidadania para além dos impostos e das eleições. A ocupação solidária, então, assanha ânimos e sustenta alegrias.

 

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