Leituras de Kafka e de Kundera: encontros

Li livros de Kafka quando ainda estava perto dos meus 20 anos. Foi uma época de grande movimentação e inquietudes. Sempre gostei de literatura e não abandonei meus espaços prediletos de imaginação. O mundo se apresenta de muitas maneiras de acordo como os olhares de cada um. Não negamos as multiplicidades e nem as incertezas. Somos parecidos e diferentes. Será que é uma ambiguidade incorrigível? A sociedade não se afasta das divergências. As sensibilidades flutuam e também se chocam. Nem todos apreciam as ficções e alguns se julgam defensores das objetividades permanentes.

Tudo isso daria uma longa conversa ou até mesmo dissabores afetivos. Há quem sustente idolatrias, costume avivar crenças. Necessita de amparos e sossegos que julga fundamentais. Tenho minhas preferências. Muitas me acompanham e me ajudam a compreender certos mistérios. Não deixo, porém, de visualizar o inacabado, as sinuosidades da vida, as artimanhas do acaso. A literatura é um arcanjo, me salva de alguns tédios, me livra de alguns descaminhos. Fantasio meu tapetes mágicos, sem constrangimentos. O real é discutível e não somos identidades fixas.

A leitura d’A Arte do Romance de Milan Kundera me trouxe deslumbramentos. Os bons textos nos visitam com encantos e devaneios. Se estão descrevendo a verdade, não é a minha preocupação, sobretudo quando navegam pelos mares da invenção. Kundera é um grande mestre, amigo da sedução das palavras e preocupado como o possível equilíbrio do humano. Existir é conviver e não há como esquecer de repartir dores e alegrias, aprofundar afetos e estimular perguntas. A solidão tem seu lugar, mas nunca sua eternidade.

No seu livro citado, Kundera dedica reflexões à obra de Kafka, com a delicadeza de sempre. Mostra como os tempos se tocam, como os totalitarismos oprimem e aprisionam. Aguça a memória, lembra que a história não é linear e que é preciso envolver as diversidades. Descuidar-se do tempo é desfazer-se das possibilidades de investigar as arquiteturas dos labirintos humanos. A discutida incompletude nos ameaça, porém provoca aberturas para o outro. O trágico se insinua nas esquinas e nos tira o fôlego e a leveza. As intolerâncias se armam com sentimentos fascistas.

Kafka descreveu um mundo onde a burocracia criava mapas constantes de mistérios.A culpa andava junto com a impessoalidade. Hoje, vivemos tudo isso de forma quase radical. Há inúmeras dificuldades para a construção de diálogos. A política tornou-se um grande jogo. Estamos distantes de esclarecimentos, mas cercados de sombras poderosas. Não devemos ver Kafka.apenas, como um profeta. Teceu histórias dos muitos momentos que nos pertencem.

Quando o lemos, sentimos que os absurdos circulam e intimidam. O inesperado é o cenário maior da vida. A literatura nos coloca suas cenas e seus impasses. Quem não se abraça com seus desejos e acolhe seus desencontros? Quem não sente que a vida convive com pertencimentos e tradições? Quem desconhece o reino do indefinido? A experiência do outro é sempre uma ponte. Não escutá-la é preparar as ruínas silenciosas dos afetos e enfeitiçar-se com o mundo traiçoeiro das mercadorias.

 

 

PS:Voltarei a fazer nova postagem no dia 8 de outubro. abs

 

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