Mia Couto: a travessia das palavras cruas
Difícil definir a vida. Importante é reunir palavras e jogá-las como se fosse um mágico. Não se escreve para desnudar o mundo. Seria impossível uma nudez absoluta, como tantas vestes e dúvidas tomando conta do nosso cotidiano. Ler e escrever não guardam fronteiras. O abraço é fundamental. O corpo não pode ser um único corpo, isolado e tardio. Tudo se toca, com brevidade quase infinita. Não há como medir o tempo. Mia Couto atravessa o mundo, com uma sabedoria de quem possui pertencimentos amplos. Afunda-se em águas claras. Nada como um peixe que descobriu todos caminhos do mar. É parceiro de Netuno e namorado de Vênus.
Não me canso de dialogar com seus escritos. Ele brinca como os avessos, borda uma poética que pula os limites do universo. Muita imaginação que preenche vazios e faz pensar outras lógicas. Suas palavras nos olham. Não são escravas de técnicas. Mia é um inventor. Seu leitor não se cansa, mas se pacienta. Lembra os poemas de Manoel de Barros e o Grande Sertão: veredas de Guimarães. Não é senhor das imitações. Divide, afinal o mundo deveria pertencer a todos. Quem se isola, espalha egoísmo, gosta de ilhas desertas. aumenta a extensão da aridez, esperta a ferocidade da exploração..
As personagens de Mia não estão mortas no papel. Flutuam, multiplicam-se, ganham eternidades. Cada cultura possui sua inviolabilidade. Longe da mesmice, ele acena para as astúcias. Prometeu assanhava a liberdade. Mia estica o desejo, molha-se com as chuvas intensas da África. Desmancha as hierarquias e subtrai a arrogância. Todos podem se surpreender, fugir, se acovardar. Não há saberes exclusivos, mas saberes que se confundem. Cabe ao profeta criar suas cartografias, sentir a poeira das outras vidas, esconder-se dos inimigos. observar o horizonte sem estrelas, a crueza dos animais estéreis.
O escritor não perde as metáforas. Não duvida que as palavras não cessam de ir para o desconhecido. Mia Couto constrói sem ambição de se esgotar. Seu ponto final é um desenho escuro, uma ponte sem tamanho mínimo. Apaixona-se pelas mulheres, dança com os feiticeiros, fertiliza territórios abandonados. Lamenta a escassez, porém se distancia de seus pecado. Contaria um outra história do paraíso, cuidando de alertar as travessuras de Adão e Eva. Sua escrita desenha seu sorriso. Esta solidário com as sombras e as luzes traiçoeiras das matas. Sua leoa se mistura com a sensualidade das sereias, seu rio nasce e morre sem se desfazer das lágrimas. A poesia é tudo.
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