O cinema e a vida: a diversão, a aventura, a cultura

Divertir-se é um mandamento da sociedade contemporânea. Tem custo variável. Há programações organizadas por instituições públicas, gratuitas, dos mais insuspeitos gêneros. A famosa política do pão e circo é antiga e possui eficiência. Atrai multidões, fascinadas por Ivete Sangalo, Alceu Valença, Caetano Veloso… Há sentimento para tudo. O espaço ocupado é grande, transformou-se em mercado destacado, onde a grana faz milionários na produção dos eventos e promove personagens, antes, acanhadas e escondidas. Estão na tela das TVs Faustão, Xuxa, Angélica, Carolina Ferraz, Fernanda Montenegro, Casagrande. Não faltam novidades, prêmios, desafios, criatividades, infantilizações. A cultura abastece-se de imagens, surpreende, fabrica repetições, fortalece a era da comunicação tecnológica.

Ninguém foge de tantos deslocamentos. O cinema é um deles. Quiseram prever seu fim, mas ele continua firme. Move públicos em todo mundo. Turquia, Índia, Estados Unidos, França, todos produzem e internacionalizam seus feitos. Surgem modas, atores deificados, exemplos de patriotismo, amores fascinantes, o cinema transforma comportamentos e estabelece hábitos. Sua sagacidade pedagógica é incrível, pois busca multiplicar enredos, explora o drama, investe na ficção científica, elege sinais de apocalipses, estende-se por outros campos da indústria cultural. Quem anuncia a sua morte, pode desistir das profecias e comprar seu ingresso com urgência. O cinema segue, institui ordens e transgressões.

Não sou preconceituoso. Fujo de certos filmes, mas não tenho seleções determinadas. Aprecio a diversidade, desde que não ultrapasse os limites da mediocridade. Quando há muita agitação, em torno de um filme, vou conferir. Assisti, recentemente, a Missão Impossível: protocolo fantasma, tendo como astro Tom Cruise, o agente de espionagem destemido, com uma coragem inusitada. O sucesso das aventuras de espionagem bate recordes de bilheteria nos Estados Unidos. Poucos diálogos, muitas ação, efeitos especiais. Não lembra produções que deixam dúvidas existenciais. O velho dualismo entra em cena, como a maioria do público gosta. Portanto, suspense, acrobacia, imagens estonteantes.

Sempre fui um frequentador de cinema. Quando pequeno, ia ver filmes no centro da cidade. Naquela época, não havia temores de sequestros, nem tampouco os toques vigilantes dos celulares. Encantava-me. Era a década de 1960. Depois, as exigências ganharam espaço. O caminho da reflexão abriu-se de forma marcante. Nos anos 1970, em diante, me liguei em Fellini, Antonioni, Bergman, Visconti, Coppola, Scorsese, Godard, Truffaut e muitos outros. O cinema me ajudava a aprofundar minhas leituras do mundo, a compreender as incompletudes humanas, o sublime das estéticas bem trabalhadas, a capacidade de invenção da arte.

 Não abandonei esse caminho. Revejo filmes. Sou apaixonado por Morte em Veneza (Visconti), E nos que nós amávamos tanto (Scola), Amarcord ( Fellini). A repetição não cansa, me enternece os olhos, acelera o ritmo do coração. A cultura pós-moderna não é  descartável, como seus mais ferozes adversários diagnosticam. O mundo é outro, as novidades não cessam, o desenho da tecnologia se modifica constantemente. Não vou esperar de Missão Impossível o que me seduz nos filmes de Vitorio de Sica, Chaplin, Wood Allen. Há confrontos e multiplicidades na vastidão da vida . A crítica nos dá fôlego. A história não é uma narrativa de poucas palavras.

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4 Comments »

 
  • Monique disse:

    O poder de persuasão da indústria cultural é tão forte que,as vezes, chega ao ponto de parecer que tipos como Missão Impossível são as únicas opções de cinema. Ainda bem que não! A sétima arte não está abandonada e nos revela ainda muita poesia num misto de imagem,sons e diálogos expressivos. Para os que tentam fugir um pouco do caráter econômico que ronda a maioria das salas de projeção da cidade indico o cinema da FUNDAJ e também o Cine Rosa e Silva. Sempre há coisa boa pra quem se predispõe a procurar.

    abs

  • Monique

    O que salva é a capacidade crítica. Saber escolher. Nem sempre, estamos com o mesmo humor, nem os mesmos desejos. Portanto, nada com rever as opções. Há mudanças importantes nos hábitos que podem nos ajudar a não cair na enganação.
    abs
    antonio

  • Professor, mesmo eu sendo jovem e, por um tempo tido muito contado com o circo dos horrores, eu consegui me afastar, que dizer, dar a importância devida ou nenhuma. Gosto muito do Godard, o próprio quando foi perguntado porque não fásia mais filmes, deu a seguinte resposta: É melhor fechar os olhos de que abri-los.

  • Isak

    Cinema é uma arte que traz uma multiplicidade estética ampla. Cada um tem seu envolvimento dentro da perspectiva que escolhe.
    abs
    antonio paulo

 

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