Os acontecimentos e a multidão solta no mundo

Muita gente, nas ruas, chama atenção. Faz parte, do cotidiano, as avenidas cheias de ônibus e as pessoas apressadas, ainda com gosto de café na boca. Quando não se trata de um evento de massa, o tempo passa, sem abalos, e todos se jogam nos horários burocráticos. As coisas mudam quando os grandes eventos animam a cidade. Não só o Carnaval, mas partidas de futebol, greves nos  transportes, manifestações religiosas, comércio no dia mães… Não faltam quebras, pois muito trabalho tira a tesão de viver. Riscar o calendário de olho nos salários, não basta. Os cenários sociais são diversos. A complexidade e os negócios comandam os atropelos.

Há muito debate sobre o crescimento das sociedades de massa. Ortega y Gasset, no seu livro clássico, A rebelião das Massas, já antecipava comportamentos e anunciava a perda da qualidade da vida. Criticava as mudanças que as grandes maiorias  fariam com o fluir dos seus desejos. Sua análise era sombria. Previa a mediocridade, a repetição, a mesmice. Sofreu críticas. Acusado de conservador, não voltou atrás. As masssas se vestem, com muita ânimo, e não perdem momentos de se soltar. Hoje, até as liquidações dos magazines mobilizam. Ocorrem desmaios, os bombeiros são convocados e um maluco de plantão grita, especulando alguma tragédia.

É a cultura contemporânea, bem diferente das existentes nas sociedades rurais. O ritmo é outro,a  máquina é inquieta. Os significados são velozes, requerem atenção ou passam, sem deixar rastros. A massa investe na agitação. Sacode o corpo, delira com uma música que a tira do chão. Os templos, agora, mudaram de arquitetura. Um grande show não precisa de teatros fechados. A praça é de todos, as ruas são lugares de pecados e insatisfações. É difícil avaliar a medida da turbulência das urbes. Tudo isso exige mecanismos de controle do poder político. Na soltura, há a armação de aparato policial para cortar os excessos. Ninguém entende qual é a estrada menos esburacada.

Na história, o futuro apresenta possibilidades e o passado lembra paraísos. No presente, tentamos comparar e fazer nossas escolhas. Nessa multiplicidade, os enganos consolidam hábitos. Desviar-se do cotidiano é impossível. Imaginar um sociedade rígida, homogênea, é afirmação da monotonia. No entanto, existem relações de poder que impõem hábitos. Muitas pedagogias, para disciplinar corpos e configurar mentes. A festa rompe modelos, mas quem domina não está dormindo em berço esplêndido. Os preconceitos não se afastam. As hierarquias continuam.

Posso escutar meu jazz ou meu tango, na intimidade da minha moradia. É um cenário possível. No entanto, o mundo não se contenta com dramas, sem renovação. Mesmo que se pintem, apenas, com  outras cores, as máscaras usadas. A diversidade não é o firmar-se da qualidade. Nem tampouco, os conceitos são universais e perenes. Como assimilar costumes que nunca vivi, como considerar fronteiras e desfazer conflitos ? O aumento da população traz desafios e aprofunda contradições. Assisto, ligado na tela do computador, cenas de violência na Líbia, porém também ouço as últimas declarações de Ronaldo sobre sua fogosa aposentadoria. Fico confuso, os valores se esfumaçam e a solidão se descontrola.

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4 Comments »

 
  • Flávia disse:

    Antonio voltei para o ritual da cidade, depois de seis dias em um sítio de Aldeia.
    Bom ouvir que “se não houvesse esconderijos, como desfrutar das surpresas e se desfazer das amarguras?”
    Trocar a folia do carnaval pelo cheiro da mata, o balanço da rede, as trilhas, a cantoria das cigarras, a brisa do campo, o céu estrelado, também nos ajuda a respirar com mais calma, recuperar as energias e alimentar a busca da “sabedoria que conjuga todos os verbos transitivos, rascunhando a face de cada necessidade”.
    Muito bom também, é voltar e poder ler seus textos, todos ao mesmo tempo, em uma espécie de “overdose” de Rezende, que nos situa nos “eventos que animam a cidade”, nos “valores que se esfumaçam”, na “solidão que descontrola”, “na perda da qualidade da vida” que se alastra, “nas reflexões sobre as essências do mundo”…
    Sem precisar esquecer que “a vida não é um castelo encantado, porém merece memória para sobreviver. Sem lembranças, o travesseiro fertiliza espinhos e as noites se desfazem antes das madrugadas, como a nuvem de Magritte”.
    E até discordar do Mestre, quando diz que “as paixões de Pierrot e os charmes de Colombina pertencem ao passado”. Será? E a simultaneidade do tempo, professor?
    Afinal, não é o tapete mágico que percorre os céus, garantindo as luzes das estrelas e o descanso do sol” (…) “ Quem perdeu a pintura do último amanhecer e adormeceu se desfazendo de todos os pesadelos?”
    “Estamos na vida, bordando as palavras, para não apagar o ontem”.
    Lindo de viver, Antonio!
    Os carnavais passam, “os bordados que encantam os rostos” ficam, e, nos ensinam a cuidar dos outros e expandir o nosso afeto, sempre!
    Gracias!
    Bjs
    Flávia

  • Taís disse:

    Uma sugestão professor: porque não colocas sugestões de filmes também aqui no blog?!
    Seria uma boa!
    Um abraço e parabéns pelos textos.

  • Taís

    Vou incorporar sua sugestão. Relacionar os mais clássicos.
    abraços
    antonio paulo

  • Flávia

    Espero que tenha se refeito. Também não entrei na folia, mas não sai da cidade. Mantive o blog e o descanso.Mas o Carnaval é uma festa mesmo das maiores.
    bjs
    antonio paulo

 

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