Os caminhos sinuosos e confusos da democracia
O discurso democrático tem um eco especial no mundo contemporâneo. Poucos se afastam dele, mesmo que usem disfarces e escondam manobras manipuladoras. Ninguém quer assumir autoritarismos. Procuram voltar-se para maioria. Muitas vezes, desconhecem por onde andou a cidadania na história, quais os embates mais ousados de quem rompeu com os elitismos. Os últimos acontecimentos mostram como os políticos buscam outras vestes e costuram pactos diferentes. No entanto, nada aparece sem sinais de suspeitas e sem riscar do mapa as curvas do passado. As mudanças requerem coerências e acertos com a memória. Difícil.
A democracia tem trajetória secular. Nem sempre foi pensada com um único conteúdo. Causou divergência na Grécia antiga. O filósofo Platão não firmava o saber político nas observações do coletivo. Suas simpatias não se dirigiam para a democracia. Portanto, os mares são turbulentos. O consenso não é fácil. As construções históricas sofrem abalos. Enquadrá-las num caminhar sossegado é desfazer os deslocamentos da cultura. Não esqueça que a escravidão teve participação na acumulação das riquezas e os preconceitos sociais derrubaram espaços de igualdades possíveis. As contradições caberiam em territórios imensos, sem fronteiras.
Na Idade Média Ocidental, a Igreja Católica deu às ordens, com toda força de quem oprimia e tinha objetivos definidos na luta pela conquista do poder. Não se engane. Havia, também, os insubordinados, as heresias, as nostalgias dos períodos de rebeldia do cristianismo. É importante lembrar que a relatividade é nossa companheira. Os sustos dos pesadelos não eliminam o desejo de sonhar. Se a violência permanece, as utopias não deixam de atiçar e manter animada a coragem de remontar o mundo. O olho atento nas brechas que surgem ajuda a não se entregar as chamas dos vulcões.
Por isso, a democracia não desaparece. Os iluministas apostaram numa sociedade mais justa, criticaram tradições e festejaram a razão e suas astúcias. A era das revoluções acenou para o futuro numa perspectiva progressista. Igualdade, liberdade, fraternidade. A estrada é esburacada, não possui uma geometria programada, mas repleta de surpresas e frustrações. Os ideais democráticos sentiram a voracidade dos totalitarismos, das explorações econômicas, das guerras mundiais, dos colonialismos, dos confrontos entre as crenças… O sufoco continua grande, porque as divergências alimentam vinganças. Mesmo com a globalização, a desconfiança é a base das relações internacionais. A ameaça perfuma o planeta.
No Oriente Médio, as revoltas que aconteceram reviveram anseios democráticos. Não há, contudo, transparência nos projetos. No Egito, houve confrontos sérios, ataques à embaixada de Israel. Kadafi mantém seus propósitos de não ceder. Os grupos religiosos não desligam as tensões. As potências do Ocidente, envolvidas por interesses, não cansam de interferir nas negociações e exigir a vitória da democracia. Parecem usufruir do monopólio de certas ideias e se negam a fazer uma leitura mais minuciosa da história. Reconhecer que a democracia deve ter uma universalidade discutida merece redefinições constantes. Criar discursos para facilitar ágeis acordos financeiros não assegura que as linguagens se renovem. O rosto de democracia necessita de se contemplar em outros espelhos, para ampliar o sentido da sua continuidade e de sua ligação com o diluir das censuras e intimidações.
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A conceito de democracia assim como sua aplicação sempre gerou discussões,atritos entre a população,o nosso século das ´´liberdades“ realmente inibe aqueles que querem ser autoritarios e impor algo a população,como em alguns países do oriente.No brasil,apesar da população escolher os seus representantes,não há uma consciência politica pela maior parte da população,nos tornando uma grande massa e não povo,espero ajudar a mudar isso,mesmo que eu não veja o resultado de imediato.
Marcelo
Muita gente acha que a democracria é apenas um processo eleitoral. Mas ela requer uma resposta coletiva para os problemas de forma cotidiana.
abs
antonio
Se analisarmos os conceitos democráticos instaurados na modernidade será perceptível como assim definia Claude Lefort,filósofo e pensador da democracia como invenção política, que em seu livro “princípio democrático” afirmava que: “A democracia está sempre sujeita a questionamentos, num debate público sem fim”.
Essa posição de Lefort, nos mostra como que as indeterminações que percorre a várias figuras míticas como o debate sobre a Sociedade, Povo, Nação, são na democracias, identidades indefiníveis. Ou dizendo de maneira mais exata, a sua “definição” está sempre sujeita ao questionamento, num debate público sem fim.
Creio que a história tem muito a nos ensinar sobre os paradigmas que foram instituídos nos países onde se diz oferecer democracia aos cidadãos. Contudo, a partir do momento que imposições são quebrantadas e questionadas passa-se a desacreditar que a ingenuidade do senso comum é ilusória, e que democracia é uma prática política muitas vezes inexistente que não cumpre com seu papel, ficando o povo relegado as práticas demagogas e demagogia como é sabido, não uma coisa boa.
Abraços professor, obrigado pela reflexão.
Emanoel
As reflexões abrem espaços para debate. A história tem continuidades e mudanças. É preciso entender o jogo de poder que cria ilusões. A democracia é valor ético que envolve luta e solidariedade. Isso é importante para sentir o quanto o mundo deve ampliar o campo da política.
Emanoel
A democracia precisa de atenção. Ela é muito usada para iludir e mascarar. Portanto, é sempre bom retomar o debate.
abs
antonio
E viva a democracia! Mais do que uma saudação, um apelo. Gosto quando Castoriadis diz que a democracia é o exercício da autolimitação, e isso vai além do espaço político institucional, é convivência social. Os EUA como modelo nos decepciona, mas o Brasil, por mais demagogo que pareça, avançou bastante na sua aprendizagem. A democracia para o Oriente Médio, ainda é uma luta pela liberdade, e está condicionada a interesses não muito coerentes com a proposta.
Gostei muito da leitura professor!
Abraço.
Zélia
Não devemos esquecer a democracia. Não adianta cair num pessimismo total e ficar achando tudo perdido.
abs
antonio
Concordo. Nós, historiadores, bem sabemos o que quanto já foi ruim. É nosso dever lembrar aos jovens que o que temos hoje é resultado de muita luta, muita dor e muito sangue. Ainda não é o ideal, e talvez nunca seja, e sempre haverá quedas, mas também, enquanto houver vida, sonhos e esperanças, sempre se pode melhorar; não é mesmo?!
Zélia
As leituras do passado ajudam a ver que a história não segue sem luta. Concordo. Há muita contradição, mas também desejo de mudanças.
abs
antonio