Não pense, apenas, no sonho do paraíso (I)

A utopia não é descartável. Ela anima sonhos, nos tira do comum, nos faz pensar o impossível. Querer que tudo seja uma reprodução do real não transforma nada. É um canto da mesmice. Definir o real é um problema, como também buscar o traço definitivo da objetividade. Cada um lança um olhar mundo, muitas vezes, despretensioso. Há apatias, falta de solidariedade e de desejos de apagar as hierarquias. Nessa diversidade, nos deslocamos, não livres de enganos e suspenses. Por isso, as imensas  desigualdades que invadem a sociedade nem sempre provocam rebeldias. Há um silêncio que incomoda, quando vemos o desfazer de liberdades e a quietude da maioria. A Europa está vivendo situações de desencontros inesperados com a falência de sua economia.

Imaginar o futuro tornou-se uma ousadia, um jogo de azar. A velocidade das mudanças desconcerta, pois coloca em questão paradigmas tradicionais. Assimilamos certas mudanças. O superficial não polemiza, recebe indiferença, porém as transformações nas relações sociais, mais radicais, nos enchem de incertezas. Imaginar harmonias cabe dentro de planejamentos que se desmancham quando limites se impõem. As histórias das sociedades conviveram, sempre, com propostas de paraísos, mesmo nos momentos mais atordoados. As guerras não eliminaram a vontade permanente da paz, pois o ressurgir das possibilidades de equilíbrio aparecem e fazem suas frágeis moradias.

No mundo capitalista, não é possível disfarçar a força de competição. Criam-se até regras, contudo elas são rompidas. A desconfiança é o eixo das suas relações de poder. Há avessos incríveis. A Inglaterra já foi a soberana do mundo, o catolicismo não temia outras crenças, os nobres abusavam da prepotência. O espelho , hoje, é outro. O capitalismo sobrevive, mas não sem insatisfações que se manifestam em pequenos ou em ações organizadas. Em todo jogo há vencedores e perdedores. No jogo chamado liberdade, todavia, a diferença tende a ser toldada ou completamente obliterada. Os perdedores são consolados pela esperança de uma próxima etapa vitoriosa, enquanto a legria dos vencedores é nublada pela premonição da perda (Zymunt Bauman).

As peças se movem tentando construir um sentido. Há a ilusão de permanências inatacáveis. Os registros históricos mostram interrupções, quebras, descontroles. A teoria progresso quis acertar as linhas do tempo. Formulou sequências, apocalipses, causas, determinismos absolutos. Alimentou o desejo isolar as épocas, de formatar memória, de fixar as ansiedades. Apesar de todas as transformações, não há convencimento de que as conquistas salvaram a sociedades das dissonâncias . O discurso progressista não desapareceu. Tem uma parceria firme com o liberalismo.

O desconforto geral, com os infortúnios globalizados, arranca a bandeira da esperanças das mãos dos ingênuos. Artimanhas são refeitas, o vencedor não cede diante do perigo. Ele subestima quem está fora do núcleo do poder central. Não faz isso à toa, sacudindo projetos acidentais. Há todo um conhecimento elaborado, argumentações tuteladas pelas academias que seguram as desigualdades com justificativas renovadas. A cartola do dominante é rica em magias, distrai o adversário, desvia-o dos caminhos da reflexão. O impostor termina por crer na boa fé da sua veracidade. (Nietzsche). Naturaliza o que é histórico.

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