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O sigilo mora no banco da praça anônima

           

Não revele todos seus segredos mais íntimos. Saiba guardá-los, sem contudo criar sepultamentos. Podem surgir situações diferentes e as mudanças afetivas  inquietam. Há ritmos, pesos, esconderijos. A vida é complexa, porque as travessias não cessam de pedir longas caminhadas. Nem sempre sobra fôlego e os abismos se apresentam no meios das travessias. O domínio sobre o tempo é uma brincadeira. Ele tem uma autonomia que nos assusta. Escapar das saudades e das partidas é fugir do cais que nos alimenta e protege as embarcações mais valiosas. Os sigilos existem, conversam com a memória, testemunham dissabores, desenham labirintos. Moram no grito disfarçado, na rebeldia de insônia madrugadora.

A sociedade constrói sua cultura. Não há nada que torne cada ato humano uma transparência, sem uma gota de mistério. As pessoas se misturam com outras pessoas, dividem encontros ou se olham. A história não abandona a sociabilidade. Por isso, as semelhanças aproximam, a vida exige aconchego, mesmo quando se choca com o mundo de violências. As mortes são anunciadas, como nos romances. O absurdo distrai alguns e nem toca na sensibilidade de outros. Os valores se fragmentam, porque resistimos às socializações e consagramos os espelhos de Narciso, com sucessos festejados.

Como falar de eternidade diante das incompletudes cotidianas? A memória é seletiva. Isso não é novidade. Há perigos em arrancar máscaras. Exigir eternidades é descontinuar, sem observar que o diálogo dá alicerces à cultura. Há sigilos, mas há a necessidade de que se conheçam suas circunstâncias e sua relação com a coletividade. Há regras e ordens sociais. Elas não devem existir sem que haja discussões. Já se foram as verdades imutáveis. Elas criam obstáculos para a política, beneficiam a minoria que possui as chaves dos cofres, firmam controles autoritários na sua radicalidade.

Portanto, os debates servem para alargar o conhecimento e aprender a lidar com as instabilidades de cada época. Os segredos perdem suas razões, interrompem o aprofundamento de reflexões, jogam momentos da história no lixo. Para sempre é sempre por um triz. Lembre-se de Beatriz, a bela canção de Edu e Chico.Os entretecimentos entre o passado e presente são indispensáveis, embora não há como esgotá-los e formalizar os limites de todas as fronteiras. O engano maior é achar que existe uma resposta final, a possibilidade de compreender tudo. As significações podem ser demarcadas, mas não determinadas. Elas se conectam indefinidamente uma às outras, sob o modo fundamental do remetimento (Castoriadis).

O Congresso Nacional tem mais uma questão para resolver. Muitas filosofias devem atingir os pronunciamentos. Talvez, nem todos se insiram nas contradições que atraem o tema. Está em jogo a democracia e suas aberturas, está em jogo a memória e sua dimensão fundamental para as muitas histórias e suas versões. Não haverá ingenuidades e , com certeza, muitos se colocarão como protetores da dignidade nacional. No mundo da globalização e do pragmatismo, a simulação atravessa os campos de luta. No banco da praça anônima, os sigilos correm das confissões mal formuladas. Os olhos traduzem as cores da fuga de quem se encobre com cinismo.

Os vastos territórios das narrativas e da vida

            

Há narrativas lineares que seguem caminhos, geometricamente, sem curvas. Alinham os fatos e formam sucessões. Não privilegiam a surpresa. Contam a vida que se define pela repetição. Elegem destinos, não se propõem a decifrar nada. Exigem passividade e pouca invenção. Não inquietam e cansam. Quem deseja aventuras e astúcias fica marginalizado. Escutar a mesmice ou tornar a existência um acúmulo de ordens indiscutíveis é anular a possibilidade da magia. Interpretar os atos humanos, observar as flexibilidades, desenhar cartografias inusitadas garantem narrativas que seduzem e não adormecem.

Gabriel Garcia Márquez(foto) escreveu o famoso Cem Anos de Solidão. Muito lido e discutido, permanece exemplar. Macondo sintetiza a própria história da cultura humana. É uma cidade, isolada do mundo, mas que não nega a multiplicidade dos desejos e das coragens. Não faltam amarguras, amores, devaneios, tecnologias, ciganos, políticos. A vida não é o abandono da perplexidade. Não cabe, apenas, um discurso do método para tentar compreendê-la. Os riscos e os espelhos quebrados fazem parte da moradia de cada um. Há paredes pintadas, mortes cruéis, vinganças minuciosas, violências planejadas. As palavras não conseguem resumir o vasto território das narrativas. O novo e o velho criam armadilhas.

Há quem critique Gabriel. Acham que transgride, excessivamente, nas costuras da imaginação. Preferem colar suas histórias nas angústias pós-modernas, na soberania dos objetos, na frustração das crenças. Não é necessário condenar o outro, para exaltar sua escolha. As narrativas convivem com as diferenças. Cada época acena  vicissitudes e requer sonhos que desfacem  monotonias. Não esqueça uma coisa: essa gente toda que desapareceu no rio está agora mesmo, olhando- nos pelos olhos deste bicho. Não esqueça. A citação de Mia Couto, escritor contemporâneo, parece estranha no meio do texto. Mergulhe, porém, no seu livro Um dia chamado tempo, uma casa chamada terra. Exercite sua andanças pelas metáforas e se pergunte: até onde Gabriel e Mia se tocam nas fantasias?

Um dia revela circunstâncias que puxam reflexões profundas. Depende da forma como a narrativa é traçada. Nós bordamos tantas conversas, contamos tantos desmantelos e não devemos negar a nossa capacidade de narrar. Experimente, na solidão, reafirmar miragens, a busca para se distrair dos naufrágios. Faça como Freud, tenha fundações no sangue e abra o tempo dos sentimentos tolerantes. Um dia pode significar uma eternidade ou um encontro decisivo. Duvida? Leia O dia do escrutinador de Italo Calvino e navegue pelos nos seus mares pouco explorados.

Somos como Chapeuzinho Vermelho visitando a vovó doente, pensou Amerigo. Talvez, ao abrir a cortina, já não encontraremos a vovó, mas o lobo. E depois: Toda vovó doente é sempre o lobo. Calvino nos remete aos arquétipos infantis. Os contos que marcaram os primeiros anos tão entrelaçados no imaginário de cada um? Desafia quem se sente distante do passado e desfia a força da simultaneidade. Seu personagem, Amerigo, num só dia coloca em questão verdades que eram inabaláveis. Redefine  a afetividade e os princípios. Não cogitava que passaria por atribulações num momento tão singular. Mudou concepções, desconfiou de outras. Saiu do subterrâneo do eu, para contemplar a luz dos outros.

As leis e os limites, a fama e a punição

A convivência social não perdura sem limites. Há leis e possibilidades de transgredi-las. Há punições, sentimentos de culpa, censuras, tradições que cercam o indivíduo e procuram garantir a sociabilidade. O ideal seria que as leis representassem a vontade da maioria. A modernidade procurou práticas para expandir a democracia, mas encontra obstáculos. As relações de poder expressam disputas, nem sempre transparentes. Criam-se polêmicas, esvaziam-se protestos, multiplicam-se suspeitas. Não é fácil governar e tentar fazer valer o equilíbrio. Talvez, os desacertos marquem a construção da cultura. A corda bamba não é uma ficção.

Não faltam exemplos para fermentar as reflexões. O caso Cesare Battisti vem se arrastando desde o tempo do governo Lula. Parece não terminar nunca. O italiano conseguiu sair da prisão. Acenderam-se as tensões. Choques diplomáticos, acusações, críticas na imprensa. Colocou-se , em discussão, até onde a soberania do Brasil devia ser respeitada? Não houve exageros? Battisti não merece punição? Lula evitou fazer uma visita a Itália, para evitar represálias. As versões são muitas e os adjetivos mostram raivas e inconformismos nos artigos veiculados na imprensa.  Battisti sonha em transformar-se em escritor e foge das entrevistas. Jogo de cena ou inquietude com os princípios de justiça?

O ex-jogador Edmundo foi preso, por um processo que parecia, para alguns, extinto. Não se assustou, nem ofereceu resistência. A memória se atiçou. Reportagens lembraram seu famoso temperamento. Ele aprontava nas partidas e na noite. Ficou conhecido como Animal. Mais polêmicas e suspeitas sobre as punições, o valor da fama, os desmantelos das instituições, a dificuldade de visualizar a clareza. Por onde caminha a verdade jurídica ou ela depende de interpetrações que podem se confrontar?  Edmundo não é agora um rapaz sensato, comentarista bem humorado de uma TV?  É preciso voltar ao passado ou esquecer os desmandos antigos?

O Brasil não é o centro de tantas reviravoltas. Uma olhada na história traz acontecimentos que abalaram o mundo e que não tiveram esclarecimentos satisfatórios. Nos Estados Unidos, o assassinato de J. Kennedy causou certa estranheza. Surgiram investigações ditas minuciosas, mas nuvens carregadas não permitiram a elucidação de muitos detalhes. A quem interessava a morte de um presidente naquela situação? Houve uma trama de grupos econômicos? A polícia norte-americana confirmou suas  ligações políticas obscuras? Não cessaram as especulações. Houve extensas investigações, relatórios imensos, mas restam incongruências visíveis.

Não vamos buscar datas remotas. Quem não se recordar de Marilyn Monroe, atriz de sucesso do cinema do século passado? Foi encontrada morta, na sua moradia, no dia 5 de agosto de 1962. O tempo não apaga sua atuação e sua beleza. Falou-se em suicídio. Monroe estava enfrentando problemas e debilitada afetivamente. No entanto, outras histórias, ainda, circulam. Elas incriminam os irmãos Robert e John. Eles teriam desfrutado da intimidade da atriz e tramaram a morta de Marilyn. Não queriam que seus compromissos amorosos ganhassem espaços nas fofocas de mídia. A família Kennedy era poderosas. A força do poder prevaleceria e, por ironia, os dois políticos, também, tiveram um fim trágico. Quantos descompassos compõem as sinfonias da cultura contemporânea?  A harmonia é uma ilusão que atrai e vende.

O mundo instituído e suas reinvenções

Não há caminhos definidos para sempre. Olhando a história, vemos que as mudanças se dão e renovam as ordens estabelecidas. O ritmo de cada época confunde e cria avaliações que podem firmar anacronismos. O que representa ordem para o catolicismo medieval difere do que pensam os rebeldes socialistas do século XX. Mesmo analisando um grupo, as heterogeneidades aparecem convivendo com as semelhanças. Isso é a cultura, no seu vaivém, no movimento que  distrai quem formula modelos imutáveis. Fala-se de políticas ou de éticas, porém se esquece que há muitas concepções que ultrapassam expectativas e outras que mostram a fragilidade dos encontros ditos definitivos.

O enquadramento de história é impossível. Querer insistir na linearidade não resolve as dúvidas e nem aquieta as respostas. As revoluções tinham ambições que se esvaziaram. Basta verificar o início do bolchevismo e, depois, as atrocidade de Stalin. No século XVIII, os franceses derrubaram as antigas ordens, porém Napoleão retomou princípios envelhecidos, constituiu um império. Por isso, o tempo desenha seus círculos. Os projetos de  modernidade não atingiram seus objetivos, com arquitetaram seus fundadores. Essa relação complexa entre o instituinte e o instituído não é exclusiva da contemporaneidade. Lembrem-se das tentativas de democracia na Grécia e das ações atuais dos Estados Unidos em nome da liberdade.

Proximidade e distância não dependem, apenas, de espaços físicos. Há ousadias no Renascimento que não conseguimos visualizar na pós- modernidade. Os desafios se parecem, no entanto as trilhas possuem  geometrias inesperadas. Sobram esfinges, faltam profetas. As máquinas estendem seus poderes, assumem lugares, criam fetiches. Muitos não percebem que elas são invenções humanas. As relações de poder manipulam descobertas e conhecimentos, não sem compromissos com as vantagens. A neutralidade é  armadilha, bem fabricada, que engana e mascara hierarquias.Os mitos são retomados, porque os problemas vão e voltam.

 O fluir é intenso, a verdade é curva, com dizia Nietzsche. As formas   redefinem estéticas, mas os entrelaçamentos não se esgotam. Podemos conversar com Prometeu na praça ou ouvir as dúvidas de Descartes no corredor das universidades. Há quem desmanche o passado, desconsidere o vivido e os deslocamentos da memória. Quebrar o tempo não é uma prática incomum. Há olhares apontados para o futuro, mergulhados nas mais sombrias escatologias. Debruce-se sobre as insatisfações políticas que estão ocorrendo no Oriente Médio e contemple as  fragmentações e os sinais de esperanças. Não há uma unidade no que Kadafi propõe com as manobras do ditador Síria? Será que o Egito e a Tunísia fixarão as  vontades democráticas das multidões?

Há crenças que se abraçam com o infinito, não longe de amarguras que desacreditam em qualquer iniciativa de solidariedade. Essas imagens cheias de descontroles impedem de montar as ordens ou de estimular as transgressões. Não são as angústias que fazem anular as remotas idealizações de paraíso. Elas se mantêm. Os sentimentos são leves e pesados, voam como pássaros e se diluem como cinzas de vulcão. As escritas consolidam destinos e, ainda, desenham os sonhos de muitos. As linhas da vida são como as das mãos: incompletas e descontinuas. Cabem em olhares ciganos.

Desgovernos, rebeldias, consumos, aventuras

    

Manjares de plástico, sonhos de plásticos. É de plástico o paraíso que a televisão promete a todos e a poucos dá. A seu serviço estamos. Nesta civilização onde as coisas importam cada vez mais e as pessoas cada vez menos, os fins foram  sequestrados pelos meios: as coisas te compram, o automóvel te governa, o computador te programa, a TV te vê. A citação de Eduardo Galeano é síntese do mudo que vivemos. Ela mostra o avesso do que aparece. Inventamos tantas coisas e não sabemos o que fazer com elas. Submergimos na perda da autonomia, sem compreender que caminhos estão traçados.

Nem todos se harmonizam com os desgovernos da sociedade de consumo. Há quem critique e perceba sua máscara. A luta social continua, pois não há uma homogeneidade absoluta. Mesmo com os artifícios da mídia, o mundo se fragmenta. Os conformistas se incomodam com os rebeldes, a situação econômica de muitos denuncia que a desigualdade tem crueldades constantes. Não existe o tão ambicionado equilíbrio. Os vazios criam condições para fermentar protestos e desfazer ilusões. A globalização se estende, promove conquistas, mas os remendos são grandes e a violência persiste ao lado de hierarquias políticas.

Não só as regiões pobres passam dificuldades e atravessam cotidianos de desacertos. Na Grécia, a povo está nas ruas. O confronto aumenta, pois a crise ameaça atingir a sociedade, com desemprego e restrição aos serviços públicos. A Europa não vive momentos gloriosos. Há vacilações, medo de desmantelos profundos. Portugal também se encontra na beira do abismo. Observa-se a falta de solidariedade. A memória dos desconsertos do século XX, ainda, é muito forte. A presença do imigrante inquieta.Os aeroportos espanhóis, por exemplo, têm proibido a entrada de brasileiros, criando choques diplomáticos. Como os confrontos, no Oriente Médio, milhares de pessoas foram buscar abrigos no continente europeu. O desespero não cessa, diante dos descontroles e autoritarismos dos ditadores.

Os cantos da democracia enfraquecem-se, pois não há como alargar a solidariedade, num sistema marcado pela competição. O estrangeiro termina sendo visto como um intruso, um perigo para ordem dominante. As utopias já desmoronaram. Valem o pragmatismo e valorização do conforto. Os espaços dos privilegiados não podem ser contaminados, pelas necessidades dos que clamam por alimento e sossego. As rebeldias surgem exigindo o mínimo: querem a garantia da sobrevivência.Os paradoxos assustam, porque há, também, incentivo ao consumo, crédito para renovar as vaidades e a acumulação de objetos.

No Brasil, as ambiguidades têm quebrado a atmosfera de euforia, tão exaltada em tempos recentes. Organizam-se greves de protesto contra os péssimos salários e as condições de trabalho deficientes. O desenvolvimento não poder ser avaliado  pelos números gerais que escondem as explorações. A situação dos hospitais, das prisões, das escolas é precária. As dívidas dos consumidores começam a trazer prejuizos para o comércio. É preciso que o exagero não cegue e as prioridades reforcem o sentimento do coletivo. De nada adianta as ruas estarem perfumadas de gasolina e repletas de carros do ano, se o transporte público despreza a maioria, escrava dos seus horários.

As cores e os olhares, as formas e os tempos

Costumo não desprezar os diálogos com a imaginação. Sei que a sociedade contemporânea explora símbolos e abstrações. No entanto, é importante desviar-se dos lugares comuns. A repetição ensina e, às vezes, idiotiza. É melhor conhecer seu ritmo, para não se afogar no descartável. Sinto na imaginação um lugar de transcendência, de observar o mundo com se estivesse de fora, libertando-se dos muros e do peso do concreto. As diferenças entre o real e a ficção provocam dúvidas, desde que constatamos que as fantasias atiçam as ações de vida e nos remete para refazer os tempos e as memórias. A escuridão existe para descansar a luz e aquietar os olhos. Não significa apagamento de criatividade.

Sigo os caminhos de Italo Calvino: Tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu contrário, um medo. As travessias não são, necessariamente, visíveis. Daí, a especulação sobre as relações e as possibilidades de remontá-las. Pense, também, nas formas e seus entrelaçamentos com as cores. Como Picasso contemplava seus quadros depois de prontos? Como os desenhava nas suas viagens em busca de quebrar padrões e inverter modelos? Não se limite , apenas, às obras dos artistas. Um olhar aceso para o mundo redefine, muitas vezes, os cercos da melancolia. Quem não se contagia com o azul firme espalhado no horizonte ? Os sentimentos podem misturar-se e as linguagens afirmarem enganos e certezas.A multiplicidade do humano foge de destinos determinados, indicam que a leveza, também, compõe o cosmo.

O sonho e o desejo acompanham as aventuras da vida, mas ameaçam permanência das configurações conhecidas. Existem repentinas mudanças nas formas de comprender o ritmo das situações. Por isso, ambiguidade nunca se vai. Ela assusta, pois expõe as fragilidades. Ítalo Calvino sintetiza: Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho. As palavras dão conta da sinuosidade, porém a dificuldade de vivê-las é constante. Construímos as representações, riscamos as imagens prediletas e nem conseguimos, aflitos, fotografar o que dizia o  coração quando se feriu com as últimas dores. Os deslocamentos nos alucinam nas andanças do inesperado. As vacilações trazem suspeitas sobre a existência de  navegações sem tempestades.

Cada olhar atravessa paisagens diferentes da vida. Escorregamos. Confundimos. Tocamos em semelhanças. Estranhamos. Não sabemos, contudo, o que nos espera. Não há cálculos espertos e seguros que consolidem o território da eternidade. O segundo, que está sendo vivivo, nem imagina o começo de outro segundo que se avizinha. As profecias são tentativas de aprisionar o sentido dos juízos finais. Escondem medos subterrâneos e antigos. A busca da palavra mágica não terminou. Talvez, haja uma única forma ou um único tempo. As fragmentações facilitam compreensões, porque se envolvem com pedaços e desdenham a totalidade. Picasso fazia suas pinturas, sem saber quando deixaria de inventar e inventar-se. O ânimo move as energias. O tempo cobre a forma dos seus desejos, quando a arquitetura do labirinto se reinventa.

A política dos naufrágios e dos vazios permanentes

Na política, esperar que a permanência garanta sossego é esquecer-se das  reviravoltas. O movimento  faz a política ser dinâmica e traiçoeira. A calmaria pode ter significados negativos, assegurar redefinições nas estratégias dominantes. Não vamos cair no elogio do vitalício, dos governos familiares, entrelaçados com um passado conservador. Há muitos exemplos históricos e, no Brasil, os parentescos influenciam na distribuição dos cargos. O compadrio é uma marca de um mundo que concentra riqueza. Não vamos falar de exclusividades, nem ressuscitar discursos colonizados. Os desmantelos existem em vários lugares, mesmo naqueles que se proclamam civilizados.

A instabilidade não significa desastre administrativo. Muitas vezes, joga fora práticas mesquinhas, mas não há quem se organize no território das inconstâncias continuadas. Observe o início da gestão de Dilma. Conseguiu simpatias e desfez certos preconceitos. Parecia que tudo se instituiria para enfrentar as dificuldades, sem desconfianças. O inesperado não foge. Palocci aprontou. Retomou as astúcias que o fez sair do governo de Lula. Houve um freio no entusiasmo. A pressão exigiu redefinições. Os partidos assanharam suas disputas e, mais uma vez, se lançaram nas negociações dos bastidores. Criou-se  confusão e a democracia sofreu. A expansão crescente do pragmatismo, na modernidade, tumultua a escolha dos valores. A velocidade torna o tempo de a reflexão ser mínimo.

A história do Brasil conviveu com muitos autoritarismos. Nem mesmo a chegada da República, reverteu preconceitos ou derrubou elites com controle, quase absoluta, das estruturas hegemônicas. Vargas ganhou popularidade, centralizou a modernização, depois do movimento de 1930, mas  não foi um incentivador do diálogo político democrático. Sua volta ao poder, nos anos 1950, não resolveu muitas questões pendentes. Seu suicídio foi um trauma, pois nunca perdeu, de vez, a liderança  e firmou-se como político amigo dos trabalhadores. Moveu-se nas contradições. Deixou fantasmas circulando. Não falta quem o ressuscite ou quem o condene radicalmente. Dissonâncias abertas.

Dilma sobrevive cercada de lembranças e modelos. Na última crise, o prestígio de Lula foi acionado e os petistas incomodavam com suas disputas internas. É difícil. Palocci saiu, no entanto sobram divergências. As oposições sonham com modificações que lhes favoreçam. Há uma carência de projetos. A sociedade se perde nos julgamentos, porque o oportunismo tem lugar destacado nas acusações. Com o exaltado fim das ideologias, as semelhanças se estreitaram e as vitórias, conquistadas na economia, ganham espaço. Os discursos enfatizam a quantidade de empregos e o aumento da capacidade de adquirir mercadorias. Escondem detalhes ou comportamentos de rebeldias atuantes.

Lula procura conservar a imagem e insiste em manter-se no teatro das decisões. Não foge das querelas internacionais, ajuda a candidatos nas eleições, para presidente, na América Latina. Os resultados podem consolidar, mais ainda, seus planos futuros. Não se aquieta. Fixa-se em conciliações ou faz pronunciamentos comprometidos com o socialismo. É um tanto ambíguo. Sua passagem, pelo núcleo central do poder, estabeleceu expectativas que tangenciam as idas e vindas de Dilma. As assombrações aprontam, causam devaneios. Os naufrágios acontecem, porém o retorno das vítimas nunca é descartado. A roda-gigante da politica não tem limite para altura e quebras.

As intimidades da escrita, as conversas da imaginação

A solidão é tema recorrente. Mesmo no meio das sociabilidades, temos aquela necessidade de procurar o silêncio e cultivar os esconderijos. Nem por isso, o mundo se acaba e os desejos fogem do coração. A solidão é relativa, possui timidez e ritmo, não apaga lembranças e desperta imaginações escondidas. Quem gosta de escrever sabe disso. Juntar palavras, construir diálogos, conversar com as coisas, deslindar relações são movimentos interiores, deslocamentos invisíveis, mas de grande complexidade. É uma forma de repensar as aventuras humanas. Os olhares de dentro iluminam e se entrelaçam com as ousadias que alteram as arquiteturas dos labirintos existenciais.

Há uma reflexão de um livro de Paul Auster que nos toca. Fala de um homem e as escritas: Ele teria continuado a viver nas coisas escritas a seu respeito e teria se transformado aos poucos numa daquelas figuras simbólicas que habitam os subterrâneos da memória coletiva, num representante de tudo quanto é jovem e esperançoso, num emblema das reviravoltas diabólicas da fortuna. A longa citação de Auster reverencia o poder da escrita, como instituinte, e sua capacidade de firmar representações emblemáticas. Quem elege as palavras como ornamentos, não penetrou nos signos profundos da cultura. A invenção do mundo não pode ser desligada da nomeação, da possibilidade de significar, de articular o diferente de cada emoção.

Quem escreve está no meio do mundo. Não interessa o espaço físico. Posso fazer um poema no aeroporto, esperando um voo atrasado e desenhar o drama de um texto debaixo de um lençol, na noite inquieta. O importante é a conversa que estabeleço com as palavras. Dicionário fechado, pois a escrita requer que se  desafie a mesmice. Na arte de escrever, há o distrair-se, brincandeiras com as vacilações dos mitos, questionamentos sobre a coragem do governantes. Quem escreve, sem as travas da burocracia, se surpreende, pois observa que existem reviravoltas nas suas expectativas. A escrita tem o sinal de recomeço ou de uma desistência inesperada. A imaginação não se desfaz do inconsciente, não visualiza lugares determinados, porém se sacode onde há pouco luz e muitas sombras.O mundo das invenções é também o mundo das ilusões.

 Auster: O profeta. Como em falso: penetrar no futuro por meio da fala, não por conhecimento mas por intuição. O profeta autêntico sabe. O falso profeta adivinha. Outro mergulho, outras desconfianças, outras incertezas. Quem sabe por intuição? Quem se agrega ao futuro e joga de lado os fantasmas do passado? Tudo acontece por acidente, fabricação do acaso, onisciência dos deuses ou manipulação dos infortúnios? A resposta nunca é, segundo alguns, definitivamente, satisfatória. A falta expressa o humano e seus pactos com o que projeta. Quem é o profeta autêntico? Aquele que contorna as regras da gramática dominante e engana a linguagem? Ou aquele que não despreza o presente e se mistura com o instante? Armar as palavras como um grande jogo de Lego não anuncia o futuro ou consolida o vivido? Talvez, a solidão que afaga a escrita seja mais íntima. Ela rascunha as pontes que vinculam o que se diz ao que se faz.

Tudo se inventa no mundo do consumo e da fantasia

Ninguém vive sem comemorações. Se os dias fossem todos iguais onde ficaria a animação que se desfaz das melancolias e dos desencontros ? Os rituais festivos fazem parte  da construção da sociabilidade. Não é invenção recente, nem elaboração dos produtores da modernidade. Mesmo a sociedade, sem a complexidade da industrialização e do comércio, busca celebrações, admiram  feitos heróicos e criam  mitos. A cultura atribui significados que mudam e estão interligados com os fazeres históricos. Lembrem dos deuses e observem que não, apenas, os humanos gostam de quebrar a rotina e mudar os caminhos. Os tempos se misturam e a memória precisa de fôlego para sobreviver. Aproximar sentimentos não é estranho. Soltar e expande fantasias.

Na sociedade do consumo, as festas e as comemorações ganham espaços frequentes. Muita gente e muitas datas trazem motivos especiais para que os objetos circulem e os presentes se renovem. O valor de troca impera: promoções gigantescas, anúncios de página inteira, propagandas ocupando o chamado horário nobre da TV. É preciso vender. Sem o deslocamento das mercadorias a aldeia global não avança suas ambições. Um cronograma, que se repete, atravessa anos, com momentos destacados: o dia das mães, o carnaval, o final do ano, a semana santa. Um olhar atento ao calendário revela singularidades. O importante é motivar os compradores. A sinceridade do afeto nem sempre existe, porém a representação entra no roteiro das cenas.Todos terminam se congratulando. Deixam as críticas para depois, o cansaço do cotidiano requer outras atividades e cultiva esquecimentos.

A periodização da história é assunto conhecido. Os professores insistem que é necessário refletir sobre as diferenças, mostrar as contradições dos feitos culturais e não desprezar as descontinuidades. São escolhidas datas de prestígio ou acontecimentos fundamentais: Revolução Francesa, Abolição dos Escravos, Proclamação da República, Fundação de Brasília e assim vamos. O coletivo marca homenagens, debate o passado e pensa nas possibilidades de remontar velhas trilhas. Cada um tem seu tempo que, nem sempre, coincide com as alegrias sociais. Consegue êxito em alguma coisa, quando a crise econômica está no auge. Concretiza um amor, quando a política se dilui em corrupções e a anuncia o fechamento do Congresso Nacional. Não faltam dissonâncias. Nem todos foram convidados para mesma dança.

Portanto, cada um sobrevive, no meio do social, com as suas aventuras. Há os abusados que detestam a euforia dos shoppings ou os acordes das orquestras de carnaval. Acusam a sociedade de manter hipocrisias. Ficam no recolhimento. Ontem, o dia do namorados transtornou as relações custo/benefício, em todos os sentidos. O amor era o tema. Não importava se raso ou profundo, o sentimento ilustrava os restaurantes, os supermercados, as lojas, as alcovas. O amanhã não interessava. O cronograma merecia cumprimento. Cada um elaborava suas transgressões, atiçava seus desejos e jurava fidelidades. O reino da eternidade recuperava o paraíso e Adão e Eva não jogaram fora suas maçãs. Tudo se inventa no mundo do consumo. O preço é um acidente que o cartão de crédito dribla. Será o amor a maior das virtudes? Quem sabe? Pergunte a sua namorada(o).

Os medos estão escondidos na primeira esquina

Romper com as delícias do paraíso foi um aventura . Assim contam as mitologias e as religiões. Os pecados terminam sendo todos nossos. A culpabilidade não cede e cria medos. Mesmo sozinhos, no silêncios dos quartos, imaginamos. O mundo é a matéria-prima. Há lembranças de amores que poderiam estar presentes ou de desenganos atrozes que deixaram cicatrizes na alma. É fundamental o movimento. O humano não abandona sua inquietude, nem quando adormece para recuperar os desgastes físicos. Se buscamos uma lógica para decifrar as muitas contradições, ficamos no meio do caminho, mesmo que ele não tenha nenhuma pedra.

Não há como se conciliar com o absoluto. O cotidiano é sinuoso. Os acidentes acontecem e os corpos padecem. Estava, no ônibus, quando o motorista falou com alguém que passava. Perguntou: o que houve ali ? O outro respondeu, sem vacilar: uma pessoa caiu do prédio. Seguiu adiante. Parecia ter comunicado que alguém ganhou na loteira ou deu uma mordida numa barra de chocolate. As palavras se perderam e os sentimento nem se apresentaram. As notícias correm, entram nas casas, sentam nos bancos das praças, fustigam os comentaristas dos jornais, mas as sensibilidades, muitas vezes, nem se agitam. Os gritos podem ser de alegria ou de dor. Qual é mesmo a diferença? O copo caiu da mesa do bar da esquina, não tem problemas ele é descartável.No mundo, cabe até o que não se imagina. Seu espaço para o lixo ou para o luxo é incomensurável.

 As medidas existem e dispensam fitas métricas. Agora, os programas de computador se encarregam de abreviar os esforços. Você faz um teste ergométrico, verifica os ritmos do coração, estima o poder do seu fôlego e não gasta nem 20 minutos. Sai pronto para viver outras emoções e testar se aguenta muitos sustos. No entanto, ninguém anula as incertezas, nem existe um carimbo que o libere de todas as amarguras. Quem sabe o que lhe espera na porta do seu prédio ou o que conta a correspondência que demorou a abrir? Não esqueça de ouvir as óperas de Wagner e celebre, com uma taça de vinho tinto, contemplando as ambições de eternidade.Ronaldo curte sua fama. Gordo e risonho foi assunto de muitas conversas.

Na Alemanha, as bactérias infernizam a vida dos pesquisadores. O Vasco da Gama foi campeão da Copa Brasil, depois de anos de abstinência. As novelas das TVs anunciam as mazelas da sociedade e o insensato coração de cada um. Há especulações para cada ato, liquidações de eletrodomésticos sedutoras e divertimentos patrocinados pelas prefeituras na busca de votos. Há bombeiros e professores reclamando das péssimas condições de trabalho. Kadafi sofre acusações, porém não larga seu governo e suas atrocidades. Dilma se recompõe e promete agilizar as boas negociações. O Brasil suspira, Vargas se mexe no túmulo e Lula faz visitas aos amigos. Quantas narrativas existem vagando pelas nossas cabeças? Somos senhores da incompletude, sem desmantelar a ideia de infinito. As análises são de pedaços dos medos. Nascemos para partilhar, a morte, a vida e os vestígios das memórias.