O sigilo mora no banco da praça anônima
Não revele todos seus segredos mais íntimos. Saiba guardá-los, sem contudo criar sepultamentos. Podem surgir situações diferentes e as mudanças afetivas inquietam. Há ritmos, pesos, esconderijos. A vida é complexa, porque as travessias não cessam de pedir longas caminhadas. Nem sempre sobra fôlego e os abismos se apresentam no meios das travessias. O domínio sobre o tempo é uma brincadeira. Ele tem uma autonomia que nos assusta. Escapar das saudades e das partidas é fugir do cais que nos alimenta e protege as embarcações mais valiosas. Os sigilos existem, conversam com a memória, testemunham dissabores, desenham labirintos. Moram no grito disfarçado, na rebeldia de insônia madrugadora.
A sociedade constrói sua cultura. Não há nada que torne cada ato humano uma transparência, sem uma gota de mistério. As pessoas se misturam com outras pessoas, dividem encontros ou se olham. A história não abandona a sociabilidade. Por isso, as semelhanças aproximam, a vida exige aconchego, mesmo quando se choca com o mundo de violências. As mortes são anunciadas, como nos romances. O absurdo distrai alguns e nem toca na sensibilidade de outros. Os valores se fragmentam, porque resistimos às socializações e consagramos os espelhos de Narciso, com sucessos festejados.
Como falar de eternidade diante das incompletudes cotidianas? A memória é seletiva. Isso não é novidade. Há perigos em arrancar máscaras. Exigir eternidades é descontinuar, sem observar que o diálogo dá alicerces à cultura. Há sigilos, mas há a necessidade de que se conheçam suas circunstâncias e sua relação com a coletividade. Há regras e ordens sociais. Elas não devem existir sem que haja discussões. Já se foram as verdades imutáveis. Elas criam obstáculos para a política, beneficiam a minoria que possui as chaves dos cofres, firmam controles autoritários na sua radicalidade.
Portanto, os debates servem para alargar o conhecimento e aprender a lidar com as instabilidades de cada época. Os segredos perdem suas razões, interrompem o aprofundamento de reflexões, jogam momentos da história no lixo. Para sempre é sempre por um triz. Lembre-se de Beatriz, a bela canção de Edu e Chico.Os entretecimentos entre o passado e presente são indispensáveis, embora não há como esgotá-los e formalizar os limites de todas as fronteiras. O engano maior é achar que existe uma resposta final, a possibilidade de compreender tudo. As significações podem ser demarcadas, mas não determinadas. Elas se conectam indefinidamente uma às outras, sob o modo fundamental do remetimento (Castoriadis).
O Congresso Nacional tem mais uma questão para resolver. Muitas filosofias devem atingir os pronunciamentos. Talvez, nem todos se insiram nas contradições que atraem o tema. Está em jogo a democracia e suas aberturas, está em jogo a memória e sua dimensão fundamental para as muitas histórias e suas versões. Não haverá ingenuidades e , com certeza, muitos se colocarão como protetores da dignidade nacional. No mundo da globalização e do pragmatismo, a simulação atravessa os campos de luta. No banco da praça anônima, os sigilos correm das confissões mal formuladas. Os olhos traduzem as cores da fuga de quem se encobre com cinismo.