A Páscoa das vibrações ansiosas e sedutoras
A religião toma seu assento, trazendo lembranças e reverenciando suas crenças. É uma época festiva, para alguns, e de meditação, para outros. Vida e morte se colocam, a vontade divina ganha destaque e a salvação dos pecados redefine escolhas. As cerimônias são acompanhadas por reações diversas. Há quem curta o momento de um bom vinho, uma mesa farta ou chocolates de sabores indiscutíveis. Quem cultiva sua fé lança olhares diferentes e aprofunda seus compromissos. É o mundo contemporâneo, moradia da diversidade, território de dualismos e de inquietudes flutuantes.
Recordo-me da infância. Era proibida qualquer brincadeira na sexta-feira. O silêncio era preservado e as comidas possuíam cardápios especiais. Não havia esse deslumbramento com o comércio e a promoção de shows artísticos. Há, agora, uma mistura que incomoda os mais discretos. Não se pode, contudo, negar que maioria aposta no divertimento, na folga dos afazeres e passeios pelo shopping center. Dispensam sacrifícios e culpas. Deliciam-se com a oportunidade de expressar alegrias incomuns, fora da dureza do trabalho. Portanto, nada de uniformidades. Viaja-se, celebra-se, promove-se mais um feriado, de grande popularidade.
Por coincidência dos calendários, o futebol também se assanha. As disputas regionais entram na fase final. Os clubes fantasiam seus cenários de lucros ou de decepções amargas. As torcidas gostam de atiçar as rivalidades. O Náutico luta para que o Sport não chegue ao hexa, mas o Santa Cruz procura renovar suas esperanças. O Flamengo alimenta a mídia com as aventuras de Ronaldinho e Grêmio com as declarações polêmicas de Renato. O São Paulo e o Corinthians parecem não se entenderem em nada. Os mineiros comemoram os feitos do Cruzeiro na Libertadores. Enfim, no domingo começa a corrida para decidir o título de campeão. As multidões estarão nas ruas, com bandeiras e gritos, mesmo em plena Semana Santa.
A velocidade é, sempre, afirmada como gestora das transformações nas práticas sociais. Ela não surge do nada. O mercado exige o consumo dos produtos. As indústrias se preparam e os magazines estocam suas surpresas. São meses de planejamentos. A Páscoa se articula com o próximo dia das mães. Amplia-se a oferta de emprego e a televisão intermedia a agitação dos desejos. O turismo desfruta de boas faturas. Leiloam-se as vagas nos hotéis e pousadas. No mundo contemporâneo, as vitrines prosseguem soberanas. Estão nos becos estreitos, nas barracas ou nas redes de eletrodomésticos mais insinuantes. Não é o exagero que preocupa as pessoas, mas a impossibilidade de não se mergulhar na sedução.
Quem seria capaz de fixar os limites e abandonar os discursos de exaltação?Cada cultura com as suas memórias , seus encantos, suas tradições. Entre as permanências e as metamorfoses, ela arquiteta os cotidianos. Eles se tocam, muitas vezes, porém podem trazer conflitos. Ela se vale das relações sociais e do poder hegemônico dos seus senhores, para fortalecer promessas. Há guerras e jogos que movem corações apaixonados. Há tensões e festivais de rock, entusiasmos com a música sertaneja e concentração para ouvir os acordes das sinfônicas. A cultura é o caminho da história. Nela, cabem o sagrado e o profano. As máquinas ajudam no desfile das vaidades.