Albert Camus: o mito de Sísifo, o suicídio, o prédio gradeado
Trabalho num prédio gradeado. São quinze andares. Fico numa sala confortável. Trata-se de uma instituição educacional, mas se torna, muitas vezes, uma fábrica de vaidades. Usa-se a palavra produção com insistência. Existem planos para futuro com tecnologias de ponta. Porém, as lacunas estão no presente. O prédio gradeado parece uma prisão com certas solturas e risos salteados. Será que o capitalismo convive bem com a pedagogia que a modernidade desejava? Nesse prédio,aconteceram suicídios e busca-se prevenir outros. A instabilidade é uma marca no rosto das pessoas. Carregam pedras que se instalam no inconsciente. Desconhecem Sísifo e seu destino.
Observo que não se toca muito nos afetos. Os textos formulam a quantidade, desprezam os núcleos básicos da educação. Vivemos de sustos. As notícias são pesadas, a competição atrai sempre. Os rumos estão ganhando sentidos desiguais. Aposta-se no Quê? Não é a tristeza que invade os corredores, mas um desprezo pelo que se conquista. O público possui a máscara do privado, os elevadores se cansam de ser malditos. Novos conceitos abalam o cotidiano: transtornos de pânico e de ansiedade ganham um espaço incomum. Converso, escuto, olho. Alguns fogem e disfarçam. Uma instituição que devia celebrar o saber, se afunda em peripécias instrumentais. Assino tantas folhas que perco a conta. Afinal, sou vice-coordenador, sem simpatia por Temer
Lembro-me de Camus. O existencialismo foi uma leitura da minha adolescência. Mas volto. Não deixo a memória congelar. Gosto de rebeldia e repudio quem se acomoda num universo de títulos e pontuações. Camus atiça as questões, mostra as dificuldades, a incompletude. Entra na radicalidade. Escreve um livro onde discute o suicídio numa reflexão magistral. O livro é um grito de dor ou um alerta? O sonho não deve morrer, nem a ilusão é algo abandonado. A história se extinguiria sem distrações, o sono se assombraria com a morte , se não houvesse o sonho. No entanto, o conformismo preconceituoso resiste. Sísifo foi esperto, embora tenha sido punido pelos deuses. Na sua época não existiam farmácias e as drogas pertenciam aos deuses. Houve alguma transformação?
Ando pelos corredores, há azul no céu e amarelo nas paredes. As dúvidas se aceleram e as aflições denunciam que as tecnologias podem nos condenar. Perceber que há pressas, que o dia não quer lentidão, que o fim de cada ciclo dá um frio na barriga. Os divãs acolhem, cada um conta sua história. Lacan e Freud ajudam a compreender que o mundo é ambíguo. Alguém esqueceu que somos animais? A gravidez é um pecado? Deixaram de ler Sófocles, se animam com os filmes da NET. A tragédia não é uma ficção tola. O suicídio anuncia que o sofrimento se estica, sacode as lágrimas para fora do corpo. A velocidade está globalizada. O mundo migra para um exílio que não carece de teorias acadêmicas. Camus morreu fisicamente num acidente. Consigo dialogar com suas reflexões. Ele não conhece o prédio gradeado. Octavio Paz não hesitou:” O homem é uma metáfora de si mesmo”.