A cidade e o futebol: os espaços redesenham-se

Ir para rua não causava tantos traumas. Era o lugar da brincadeira, o espaço das aventuras da infância. Havia boatos provocadores de inseguranças. Mas passavam. O perigo sempre rondou os centros urbanos, desde as suas fundações. A sociedade convive, com instabilidades, nas suas mais diversas épocas. Engana-se quem pensa que a história passa sem sustos. Os ditos paraísos ficaram num passado mítico.

As cidades trazem multidões para o espaço público. Não sabemos mais  quem são os vizinhos. Existe uma carga  pesada de leis e impostos na  regência da vida urbana. A paisagem modifica-se numa velocidade de semanas. O adensamento das populações disparou. Os costumes são outros. A aldeia é global e elege ambições infinitas.

Na minha adolescência, jogava futebol na rua. Não tinha medo do tráfego.Enfrentava a dureza do concreto. O sábado à tarde era sagrado, para a intraquilidade dos que queriam descanso. A meninada tinha muita energia, não cultivava o hábito de ficar vendo televisão. Os meios de comunicação estavam ganhando força, sem contudo, com seus ídolos, tomar conta do mundo.

Os estádios de futebol não eram lugar de conforto. O calor incomodava.Os serviços precários faziam o torcedor reclamar constantemente. As brigas não eram muito frequentes. As famosas torcidas organizadas não ocupavam manchetes de jornal. Assistíamos aos jogos juntos, sem a separação de públicos, embora as tensões estivessem presentes.

As cidades envolveram-se nos desgovernos da especulação imobilária. O futebol amador perdeu muitos dos seus campos, para as construtoras erguerem seus prédios. O discurso da modernização imperava nos projetos dos políticos. O encanto, com o progresso cegava a maioria e fazia a festa das ambições capitalistas. A verticalização agigantava-se, como solução para os impasses da falta de moradias e as felicidades das imobiliárias.

O mundo das diversões e do lazer não está  ausente de tanta transformação. Tudo ocorre numa velocidade incrível. Os terrenos são vendidos e as construções surgem. De repente, somos surpreendidos por identidades urbanas arruinadas. A memória se agonia, tentando recordar-se de casas, praças, cinemas. A pelada da várzea, tão disputada, quase desapareceu. 

O Brasil se prepara para a Copa de 2014. A Fifa estabeleceu condições. Haverá um gasto imenso com reformulações nas mais diversas áreas. Os estádios recebem investimento especial. É claro que todos desejam mais conforto, melhor visibilidade, banheiros decentes, segurança nos transportes. Não esqueçam, porém, do encarecimento dos preços dos ingressos e da elitização constante. Por isso, o apelo de ficar em casa e cultivar as tvs.

Certas peripécias das revoluções tecnológicas merecem reflexões. Nas cidades, o número de carros aumenta, criando problemas e irritações. Não se vê seriedade nas gestões ecológicas. Não se pode negar o valor de  conquistas que ajudam a maioria, mas a violência espalha-se de várias maneiras. Sobram esconderijos, silenciam-se rebeldias.No reino da mercadoria, as relações tornam-se mais coisificadas.

Os ambientes fechados exercem sua soberania. Frios e burocráticos. Simbolicamente, sem dúvida, diminuem a nossa respiração. E a vida para onde vai ? A bola murcha está abandonada embaixo da cama. Tudo administrado, com ares de liberdade e sossego. Um controle sutil nos arrasta para  o conformismo. O desejo domado enche de mediocridade espaços , antes inquietos e contestadores.

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