A greve é o ruído das inquietações coletivas

Estabelecer uma verdade única ameaça qualquer vestígio de liberdade. Todos pensando a mesa coisa não inquieta, nem traz redefinições na história. A sociedade divide-se. Seria impossível vê-la com um único ritmo e um destino consolidado. Há divisões que incomodam. Registram desigualdades sociais. Elas existem com privilégios e hierarquias.  As lutas e os sonhos não impediram que  as dominações firmassem posições. A sociedade procurou, contudo, ampliar o espaço do debate. Desfiaram-se dogmas, inventaram-se utopias, desfizeram-se tradições. Houve uma reorganização das instituições. Tudo isso não calou as opressões, porém caminhos foram criados para incentivar a diversidade. As estratégias conflitam-se, mas atiçam possibilidades de reformular conservadorismos e preconceitos.

As greves continuam sendo lugares de protesto em todo mundo. Há descontentamentos que mobilizam grupos imensos e outros que não são aceitos pela maioria. As contradições produzem impasses, para traçar diálogos e enfrentar os desgovernos. A luta política é atravessada por interesses, por fascinações pelo poder, pela disputa de lideranças. Onde deveria existir articulação frequente termina construindo-se dissidências, muitas vezes marcadas por centralismos autoritários. Portanto, é um desafio manter o ânimo e escolher projetos. O capitalismo estimula o individualismo crescente com finalidade de fragmentar ações de solidariedade. A política não se faz no vazio da imaginação. Invade o cotidiano, acorda invejas, desmonta desejos.

A existência de greves chama a atenção para os desequilíbrios. Não aparecem à toa, como uma brincadeira de esconde-esconde. Seus ruídos repercutem, mesmo que não atinjam a todos. A complexidade das práticas sociais impede mais soltura nas negociações, porque os jogos de poder desagregam memórias. Há confusões. Muitos que, antes, estavam divulgando a rebeldia, hoje procuram inibi-la. A política não consegue entrar na dança de democracia e concentra-se na vaidade dos cargos. O mais grave é o descrédito que se multiplica. O desamparo fermenta desenganos. Basta lembrar as experiências totalitárias que povoam a história.

Sociedade que se abraça com a competição escorrega na dificuldade de anular seus medos e rivalidades. Muitas greves estão ocupando territórios fundamentais da convivência social e aumentando uma perplexidade incessante. Não se escreve a história adormecendo os descontroles ou negando as insatisfações. Se os ruídos estendem seu volume, não adianta usar a máscara dos cálculos e das estatísticas. A neutralidade é uma forma de dissolver as resistências, de forjar o discurso com imagens de cinismo. Não se trata da luta do bem contra mal, porém a sociedade se institui na autonomia. Se tudo fica disfarçado, a ruína estrutura-se com fôlego avassalador.

Volta-se a discutir a qualidade da vida, do sentimento, do saber, quando muitos preferem falar sobre os números e as quantidades. O sentido da história é um enigma, contudo a vida segue independente dos mistérios e dos absurdos. Se há forças externas que dominam nossa cultura, se há divindade assistindo às perdas constantes, não podemos responder. A dúvida não é apenas cartesiana. Ela instala-se em cada vaivém da vida. Apesar das descontinuidades, temos que seguir adiante e configurar as proximidades. Os ruídos perturbam as apatias, redesenham os pesadelos, anunciam que as responsabilidades não se foram. Pedem cartografias ousadas.

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