As concepções de mundo e as polêmicas acadêmicas

A história se move, mas não foge das continuidades. Os debates sobre suas concepções mostram que não há unanimidades. Nada de incomum, num mundo de grande produção de conhecimentos e de transformações frequentes nos comportamentos sociais. Muitos conservam valores, não admitem renovações e culpam as armadilhas do sistema pela queda de verdades, antes, consagradas. Não é novidade se afirmar que poder e saber curtem momentos de parcerias. A verdade flutua, porque os interesses não estão imobilizados. Seguem deslocando-se no vaivém da sociedade de consumo. É claro que o capitalismo não abandona sua busca de lucros, não quer findar com as desigualdades, concentra riquezas, porém, também, redefine estratégias.

Não há dominações absolutas. Ninguém assume a administração com liberdades plenas, para concretizar projetos. Por mais sucesso que consiga, não deixa de existir o contraponto. Achar que tudo vai bem faz parte das manobras das propagandas. Não faltam manipulações. No entanto, não faltam incômodos. Por isso, a política não sossega e os políticos instituem discursos que, aparentemente, contrariam seus antigos princípios. A garantia do cargo fascina mais do que tudo. Há muito tempo que a famosa fidelidade partidária se esfacelou. Todos observam, com cuidado, as oportunidades mais gratificantes. Lutam pela permanência, mesmo  que registrem ações contraditórias.

Nas academias do saber, as discussões entram no cotidiano. Criam rivalidades, invejas pessoais, traumas e descontroles. Os conceitos mudam, as relações sociais não estão congeladas, os laboratórios tocam suas experiências, buscando atrelamentos com as viradas tecnológicas. A história não é o estudo do passado, para compreender o presente e projetar-se no futuro. Não estamos no século XIX, o positivismo teve seu auge, contudo sofreu abalos incontestáveis. A história é uma construção. O tempo se faz arquitetura com diálogos entre as memórias, as verdades não são ossificadas nos acervos. Se o presente traz questões de uma sociedade baseada no consumo, o pesquisador procura formular outras teorias.

Sepultar o passado é um equívoco. Há reflexões valiosas, críticas que ajudam a entender os malabarismos da cultura. Vivemos atribuindo significados, renomeando, saindo e entrando de labirintos. Nietzsche não teve êxito na sua época, mas é discutido nos tempos atuais. Marx escreveu sobre o capitalismo com uma profundidade marcante. Benjamin encanta com seu texto envolvente. Por que riscá-los da cartografia do conhecimento? É importante lê-los, sem desprezar suas singularidades. Eles não são autores do século XXI, propõem outras caminhadas metodológicas, mas nem por isso perderam o fôlego.

As descontinuidades existem. Hoje, Foucault, Chartier, Deleuze, Baudrillard atraem e seduzem. Não há negar. Por que não acabar com os preconceitos e investigar as semelhanças e os conflitos? Por que não aprender com as contradições, com os paradoxos? A cultura assumiu outros significados, mas na sua formulação há indagações políticas. A cultura não é ornamento, nem o afeto é o lugar do supérfluo. Não é demais insistir no entrelaçamento das sociabilidades e não eleger conceitos permanentes. O poder não mora apenas nos governos. Infiltra-se nas relações sociais mais simples. Todos exercemos poderes. Portanto, a democracia se costura no dia-a-dia. A responsabilidade é coletiva.

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6 Comments »

 
  • DIÓGENES disse:

    Andava um pouco sumido das escritas no blog, mas as leituras sempre estão firmes, é o compromisso e a disciplina que tanto se falava nas aulas de introdução 2, quem pensa em relações soltas na academia se engana, a responsabilidade aumenta mas essa nos deixa preso, a corrente que se constrói na academia as vezes nos limita ao social e a vida nos estudos segue rígida, mas a compensação se encontra durante e depois dos estudos graças a esse compromisso firmado.

    Abraços Antonio Paulo.

  • Diógenes

    Há muitos limites, mas nós é que temos que vê-los com crítica, a verdade nunca é definitiva se o debate se aviva.
    abs
    antonio

  • Neto disse:

    “A história se move, mas não foge das continuidades. Os debates sobre suas concepções mostram que não há unanimidades. Nada de incomum, num mundo de grande produção de conhecimentos e de transformações frequentes nos comportamentos sociais. Muitos conservam valores, não admitem renovações e culpam as armadilhas do sistema pela queda de verdades, antes, consagradas”. Esse trechinho, por si só, já diz tudo. É incrível, professor, sua perspicácia e coerência no julgamento das coisas que nos rondam. Poucos professores entenderiam o q houve.

  • Neto disse:

    O q me deixa triste de fato é saber q todo o debate historiográfico feito na sala fica preso apenas nos discursos de alunos q buscam a cada momento fazer sua “espetacular” participação em aula. Acho q discutir historiografia é discutir História sim, e não uma coisa qualquer, a parte desse conhecimento.

  • Neto

    Vamos tentar fazer uma abertura maior. Gosto da participação geral e não de vaidades soltas. Procuro estimular a reflexão e evitar o narcisismo
    abs
    antonio

  • Neto

    Grato, pela leitura. A experiência ajuda a observar o mundo, com cuidado e sem quere tomar conta das verdades.
    abs
    antonio

 

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