Galeano: a saudade desenha moradias

A morte de Galeano marcou sombras e luzes. Perda que nos toca. Ele tinha sensibilidade e compromisso com o humano na sua dimensão poética. Li seus livros com fôlego animado. Nunca faltava emoção e os afetos abraçavam cada palavra. A vida é tão curta, embora  a relatividade do tempo provoque tantos delírios metafísicos. Há uma rapidez que nos tira equilíbrio. Nem por isso abandonamos sonhos de felicidade e construímos paraísos que nunca se completam. Estamos cercados de paradoxos. O mundo é incomensurável, seus fragmentos flutuam, são ilusões necessárias e traiçoeiras.

Muitos estão envolvidos na busca de alternativas que nos salvem de tantas ruínas. Galeano era um deles. No entanto, a confusão reina. Não há dualismos, dizer que existe o bem ou o mal. Há misturas inexplicáveis, complexidades contínuas. Anjos se vestem de demônios ou demônios se mascaram como santos eternos. É difícil pensar como o mundo pode se livrar de tantas contradições, quando ele parece ser a moradia dessas mesmas contradições. As teorias não conseguem se desfazer das dúvidas, elas se multiplicam sem cessar, fabricando conflitos medonhos.

O cenário é vasto, as tramas contam histórias que não tem fim. Inventamos períodos, paradigmas, possibilidades. A saudade não foge. A morte dialoga não só com o corpo. Perdemos em minutos o que se fixa com testemunha de nossos desejos. Galeano traçava história simples e profundas, era generoso, descobria os avessos, não se intimidava com a mesquinhez dos que condenam a solidariedade. Quem passa para o outro lado do espalho possui magia e encantamento, invade labirintos, refaz gramáticas envelhecidas.

Se as utopias estão esfarrapadas, se o tédio toma espaço e poder, a história é esmagada pelo ritmo da estagnação. De repente, a saudade caminha nos ponteiros do relógio, escondendo a alegria. A mídia brinca com diversões para mover expectativas. Há sobretudo enganos, pois verdade e mentira possuem preços, pesam como mercadorias. Quem denuncia e se assusta é considerado ingênuo ou sacudido pela visão da fatalidade opressora. O manto de Ulisses navega nas lembranças que se desmancham. Não vale bordar o mapa de um destino que é fuga e teimosia desmedida.

Para além do bem e do mal, existe a memória de fogo que renasce contra o desespero. A violência permanece firmando parcerias com o pragmatismo. Quem ressignifica cria arquiteturas que estão longe dos abismos. O mistério da origem se entrelaça com  a saudade. Não se finda. O anúncio da morte é um corte no fôlego. Muitos se vão sem alarde. Não há tempo de olhar o horizonte para adivinhar o enigma que desvenda as fragilidades contínuas. Somos indefinidos. Configuramos travessias para superarmos as incertezas.

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