História, política e travessias recentes e agitadas

Houve grande animação quando surgiram as primeiras passeatas. Muitos  não sabiam como definir tanto movimento depois de tanta apatia. Os protestos não atingiam apenas os transportes públicos. Havia também inquietações diversas. Elas foram crescendo, ganhando espaço inédito nos meios de comunicação. O otimismo atingia parte expressiva das redes sociais. O entusiasmo era justificado, mas as manifestações tinham atmosferas diferentes. O mundo é outro. A perplexidade acompanhou os debates. Os governos sentiram-se acuados, sem respostas, tramando soluções. As violências aconteceram desde o início, acirrando a luta, multiplicando raivas, fazendo esquecer outras violências tão frequentes no dia a dia.

Tudo muito rápido com cores de espetáculo midiático e heterogêneo. São Paulo foi o ponto de partida. Outras cidades seguiram o caminho das passeatas. Havia estranheza misturada com possibilidade de expor as reivindicações. Isso atiçava raciocínios e estratégias. Quase não havia tempo para reflexão. As indignidades sofriam metamorfoses. Falava-se mal dos partidos. Decretava-se a necessidade de negar lideranças. Parecia não existir costura, tudo muito solto, com alguns profetas exercitando seus dotes. A velocidade do mundo atual é assustadora, redesenha o efêmero.

Há certa ressaca, ações do governo, mas as ruas continuam movimentadas. O incomum tornou-se cotidiano. Criaram-se, também, críticas diante de algumas palavras de ordem. São muitos significados, muitas leituras do mundo, muitos desejos de salvação. A história não escapa de trazer riscos, simpatias, frustrações. As divisões se fazem presentes. Há multidões nas fotos dos jornais e nas imagens das TVs. Há desconfianças declaradas em análises pessimistas. Imaginaram que um golpe estava sendo tramado. As especulações, portanto, armavam  vitrines. Os conteúdos teóricos não aprisionam as expectativas.

Não estou ausente, nem com olhos, apenas, de observador acadêmico. Tenho minhas lembranças. Não possuo a idade dos jovens que compões o movimento com mais dinamismo. Escrevi sobre o tema , conversei com amigos, troquei opiniões nas redes sociais, não deixei de ir à passeata com meu filho mais novo. Lá percebi que estava, efetivamente, noutra época. Senti emoções desiguais, porém as entrelacei com outros ritmos   já vividos. Era um desafio responder a perguntas que me assanhavam. As medidas mudaram, o silêncio se diluía.

Nunca sonhei que disso sairia uma revolução ou uma transformação radical. No entanto, entendia a importância. Novos pactos se anunciam.  Há uma instabilidade que mexe com todos. Alguns expressam alegrias, questionam as relações sociais. As gerações trocam experiências e desencontros. Sonhos e pesadelos articulados num espaço de tempo curto. Espalham-se dúvidas sobre as idas e vindas da história,  sobre o que aprenderemos. Observo ressentimentos, medos, ousadias, enfim é impossível sintetizar, firmar julgamentos definitivos.

Suspeitar de instituições e regras fermentam inseguranças. Não é demais afirmar que a sociedade está repleta de desigualdade e com minorias usufruindo de privilégios. Esses movimentos trouxeram incômodos, refizeram atitudes. Os sustos não desaparecem. Jogar tudo na lata lixo é prepotência. Há sempre o que escutar, sem submissão ou festividades vazias. A história é um constante diálogo entre mudanças e permanências. A democracia mostra fôlego diante dos abalos. As divergências atravessam caminhos com perguntas que nem sempre conseguirão respostas. No entanto, a política precisa de novas vestes.

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2 Comments »

 
  • João Paulo disse:

    Gostei da reflexão, professor. Acredito que o senhor tenha pincelado bem essas angústias, esperanças e medo, que cerceiam essas agitações. Enquanto jovem, estudante de história e observador do cotidiano recifense, identifiquei-me bastante com as ideias, expostas de modo que buscam acompanhar o movimento, e não “aprisioná-lo” numa definição. Eu mesmo cai na armadilha de dizer o que era, ao invés de buscar interpretar o que pode ser. Também fico feliz em saber que tenhas ido ao protesto, isso só reforça que o senhor não é um intelectual da Torre de Cristal. São tantos discursos que acaba-se caindo na espiral da conspiração – lugar incerto, quixotesco, em que os moinhos se querem moinhos, e não dragões que são. Tenho coletado informações e estudado, espero poder dar uma contribuição crítica à História e à população.

  • João

    Temos muito que pensar sobre o que está acontecendo. Não adianta ficar trancando portas. É importante dialogar, sentir os limites, sonhos e diferenças.O que você escreveu me emocionou. Sempre devemos estimular a reflexão e dividi-la. A arrogância é a forma de impedir que a solidariedade esteja presente. Vamos todos aprender com o que a história traz e os riscos que ela apresenta.Nossos encontros servirão para construímos boas conversas e percorrermos caminhos de otimismo. Nada está pronto.Não deixemos que verdades fabricadas nos tirem as dúvidas, mas lutemos para compreendê-las.
    um abraço
    antonio paulo

 

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