Histórias, Isadora Duncan, refazeres, fantasia

Jamais  escrevi sobre as coisas tal como elas aconteceram.Todas as minhas obras são de fato capítulos de minhas vivências  mais pessoais, mas mesmo assim não são a  história da minha vida. As coisas que aconteceram comigo, na minha vida, já aconteceram, já estão formadas, e o tempo as moldou e lhes deu forma. Escrever as coisas tal como aconteceram é tornar-se escravo de sua própria memória, que é apenas um elemento menor do processo criativo. A afirmação ,acima, de Aharon Appefeild, escritor, morador de Jerusalém, merecia um diálogo que se estendesse, sem limites, pelos espaços da vida. Quem gosta de história e das histórias não pode se esconder do que elas atraem e descortinam. Vale um tempo de ler, mas de reler sem pressa, longe de qualquer ruído, como se o mundo estivesse deitado nas palavras, adivinhando as possibilidades de decifrar o tempo.

 Há um destaque à criação, um desprezo pela mesmice, uma sutil ponte entre a permanência e a invenção. Freud insistia no poder da compulsão à repetição para construção das identidades da vida. Nada de pré-determinações estabelecidas, como um desenho de um arco do qual não sabemos o ponto de origem. Mas as relações se foram, ganham consistências, na medida em que os sentimentos se cruzam. Não há como vê-la cobertas pelo manto da eternidades. É confuso consagrar o instituinte como articulador da cultura, com também colocar a memória num lugar menor. Ela não é fixa. Portanto, a vida corre, descoloca-se, surpreende, nas artimanhas da memória.

O vivido se cola ao coração, balança as gangorras interiores, mas será que não movimenta o olhar que julga aprisioná-lo? O passado não possui um território que tenha fronteira. Ele é largo e disforme, pouco sabe da sua imersão no presente que o chama. Celebrar o tempo é indefini-lo. As fronteiras são tentativas de armar limites, onde só existem conjugações inesperadas. Envolvo-me  com a saudade que pode ser efêmera, não cansar, mas armazenar estéticas. Q questão não é a dor crua. Não interessa se ela tem tamanho, dura horas ou décadas. O sentimento se costura na densidade que ele toca, quando a criação assume o controle da vida. Se a criação não é possivel, a dor é inútil, mistura-se com a fuga, se desfaz no deserto.

Cada um tem o seu espelho. Não avalie o espelho pela forma da moldura, porém pelas imagens que ele recolhe. Não pense que, no seu espelho mais íntimo, mora, apenas, o desenho do seu rosto. Ele não é o único, nem deixa de se rebelar. Há noites de sono inquieto, manhãs de inverno com registros frios no calendário. As imagens não se desenham, portanto, com formas definidas e reservadas. A história de cada vida é como um fio que atravessa o espetáculo da um malabarista ou  um trapézio em busca de alguém que ouse visitá-lo. Arquiteto cenário quando vou riscando as travessias, por desengano ou pela necessidade de brincar com a cartografia do futuro. Tudo com um passo de Isadora Duncan, num balé que enfeitiça até os voos dos pássaros. Impreciso e caliente.

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2 Comments »

 
  • Emanoel Cunha disse:

    Devemos destender esse arco, assim como, segundo Nietzsche dizia: “É preciso contorcer os arcos que foram passados diante das perpesctivas da vida do demasiado humano, assim quem sabe chegando a sermos META”. Essa análise veio a se construir mediante a sua análise do dogmatismo, dito acabado pelo diálogos do séculos que tanto filósofos falavam e abordavam em seus diálogos até a construção da modernidade.

    O esboço da vida se faz diante das fugas das vaidades e realidades. O mundo não é tratado como algo nulo de questões passíveis que possibilitam nos desvencilhar e se utilizar apenas das objetividades, mas também o mesmo nos direciona a ousarmos da subjetividade. Estamos sóbrios quando arquitetamos e riscamos a história da vida, caso não fizemos isso, não nos entreleçariamos no tempo das realidades de nos enfeitiçar do mundo diante de suas belezas e profusões de apreender os conhecimentos da história.

    Abs

  • Emanoel

    Perceber a multiplicidade nos ajuda a olhar a vida com amis profundidade. A complexidade desafia, mas não custa tentara escutar o tempo, afinar a sensibilidade.
    abs
    antonio

 

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