Lapidar a solidão, multiplicar os cristais, estender-se

O sentimento de solidão, nostalgia de um corpo do qual fomos arrancados, é nostalgia de espaço. Segundo uma concepção muita antiga, em quase todos os povos, esse espaço não é outro que o centro do mundo, o umbigo do universo. Octavio Paz  tem uma escritura que consegue tecer diálogos inesperados. Paz não vacila, evitando regras para que seu pensamento se exprima numa lucidez cartesiana. Não é o seu caminho. Busca a controvérsia, a curva, o mito. Não é à toa que lembra Freud, Nietzsche, Castoriadis. Seu texto é estetizante, porque se configura nos sentimentos e procura enredá-los. Não é soltura vazia, desfeita de significados.

A solidão é tema recorrente. Não interessa se fotografa a modernidade ou vai atrás do paraíso. O importante é o registro de que algo se perdeu. Não é possível datações exatas, mas não há razão para menosprezar as possibilidades de permanência. Os sentimentos não se foram do mundo, nem apenas expressam celebrações indispensáveis. Eles se mantêm, porque estão navegando no corpo, conferindo a velocidade do sangue, o tamanho das veias. Cada poema  que lemos é uma recriação, quero dizer: uma cerimônia ritual, uma Festa ( Paz) . A questão do retorno não é o desfigurar da multiplicidade, o cansaço da história. O retorno é a negação da morte.

Por isso, a medida da nostalgia é pendular. Na sociedade da moda, ele pode representar um refazer obscuro. Muitos se enganam com o poder da novidade. Não se parte do zero. O problema da criação é a capacidade de transcender, de ir-e-vir no tempo, não se incomodando com as formas da geometria. A nostalgia anuncia que o fascínio pelo futuro se relaciona com os mandamentos progressivos de ideais modernistas. O passado não está no lixo, nem se arrastando pedindo socorro aos arautos das ficções futuristas. A nostalgia se envolve com o mito. A sociedade que vivemos, agora, também engendrou seu mito (Paz).

A travessia maior é abrir a conversa com os significados. Eles possuem a poeira do tempo, o lugar e o ritmo da sua criação. A dificuldade é fuga que se faz para razão, com antes se fazia para as religiões, buscando racionalizações ou misticismos exagerados. Tudo está na história, com nomes e movimentos. Paz nos traz a cultura sem linearidade. Por que localizar o mito nos primórdios, nos territórios dos paraísos? Por que acreditar nas diferenças sem perceber os toques de continuidade e de comunhão?

Quando se risca a incerteza ou se estigmatiza a improvisação, a busca de compreender o que se foi está diluído. Há pensadores que se jogam para frente, outros se afundam no passado com se existisse uma Idade do Ouro redentora. Talvez, esse dançar do tempo nos angustie e nos force a formalizar regras salvadoras. Penso que se trata de um fenômeno universal. Nossa história não é senão uma das versões desse perpétuo separar-se e unir-se com os mesmos que já se foram. São dúvidas, mas que não se desamarram de uma poética. O mundo não é um barril de petróleo. Contemple Magritte e invente um sonho.

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