O cotidiano programado, envolvente, veloz
É difícil andar pela vida observando os passos e os escorregões. Várias vezes nos perdemos.Temos que buscar o caminho da volta. O pior é que há esquecimentos e ficamos no meio do mundo, soltos, imaginando se há alguma forma de salvação. Não fugimos de fabricar fantasias. Não é possível viver sem elas, contemplando espelhos gastos. A capacidade de invenção nos chama para não desperdiçar o tempo, nem esticar muito o sossego. Numa sociedade que corre e abraça-se com a velocidade, toda atenção envolve olhar sobre o cotidiano. As fantasias não existem sem ilusões. Mas qual é saída? Desmanchar as dúvidas?
As velhas ideias de tempo sucessivo ainda acompanham nossos planejamentos. Definir o que é passado, lançar-se em projetos, ganhar instantes de reflexão. Tudo isso se mistura, exige cortes, fragmenta desejos. Temos que saber redirecionar as surpresas. O perigo é mergulhar no encanto pela novidade. O mundo está cercado por elas. Somos vítimas de cegueiras que diluem qualquer serenidade. Há mecanismos de controle externos poderosos. Muitas vezes pensamos atravessar labirintos com esperteza, porém estamos enredados em dramas sem fim. Quando a paixão pela grana se amplia, os valores desenham figuras desconhecidas. O mistério nos assusta e fascina.
Descrever o cotidiano não é fácil. O conjunto das coisas descartáveis engana e entontece. Construímos o mesmo, querendo exercer outras identidades. Quem manda na sociedade não abandona os detalhes. Estamos, na época, dos autoritarismos sutis e especializados, articulados em laboratórios, com a ajuda do pragmatismo técnico. O que parecer lazer adormece suas rebeldias e seus pontos de fuga. O simulacro não cessa de criar geometrias diferentes, com intenções de guardar o conservadorismo. As aparências apresentam-se com a força do fundamental. Há pessoas que nem se dão conta. Cultivam a apatia, curtindo um isolamento sem ânimo.
A conjugação dos tempos é sempre uma questão. Se a rapidez assanha a vida contemporânea, com ficaram os europeus com a explosão das guerras mundiais? Portanto, a medida é desafio. A relatividade não é uma desculpa. Quem assistiu a Revolução Francesa compartilhou medos coletivos e quis derrubar poderes carcomidos. Quem não simpatiza com o capitalismo, também se incomoda com os mercados e proclamam a inutilidade de tantos objetos. A cultura não se compõe do homogêneo definido, nem prolonga felicidades. Há estranhamentos, memórias esfarrapadas, desprezos suicidas. O humano fala gramáticas diversas no meio de permanências e de disfarces.
Olhares distintos provocam sensações que se chocam ou, às vezes, se complementam. Diante das incompletudes, cabe arquitetar paraísos que se destroçaram e refazer presentes que, ainda, mantêm o mito da eternidade. Estão, aí, as religiões e as utopias políticas. Quem esconde se entrega ao silêncio? É preciso escutar vozes para que haja sintonias com o mundo. Não podemos concordar com as armadilhas dos vencedores, mas é bom conhecê-las e tentar denunciá-las. As dominações instituem ordens. As inquietações trazem rebeldias. O cotidiano mais medíocre não anula os ruídos e os pesadelos. O conformismo existe, no entanto há quem o perturbe e multiplique a dissonância. A dúvida reinventa a cultura., atiça a aventura.
You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.
Estava ontem conversando com um amigo, que me disse que ser professor não é tão ruim assim, pois dá pra acumular contratos no município, no Estado e na rede particular. Eu o indaguei sobre a necessidade de tempo para o descanso, para o ócio, para a família… Ele me disse” tá doida? quer “ter as coisas?” tem que escolher as prioridades. Descansa depois, na aposentadoria.
De fato “há esquecimentos e ficamos no meio do mundo, soltos, imaginando se há alguma forma de salvação. Não fugimos de fabricar fantasias.” e tanta gente é hoje um barco à deriva nos corredores das repartições.
Belo texto.
Parabéns meu querido.
🙂
Perdidos no mundo das coisas, podemos verificar, pasmados, que a felicidade não chega; apesar das promessas alardeantes das propagandas de neon do refrigerante.
O pragamatismo técnico seria, talvez, a saída? Olhar o cotidiano, quem sabe, com as lentes secas e racionais de novas teorias para as novas realidades que se apresentam?!
Não sei… nada me tira da cabeça que a salvação chegará por meio do que alguns podem chamar de fantasia: perturbar o conformismo com a estranha arte de tentar explicar a realidade com revolucinárias teorias divergentes da maioria. Seremos salvos pela criatividade.
Karem
Espero que esteja bem. Temos que descansar, para pensar e sentir as coisas. Ser professor não É escravidão.
grande abraço
antonio
Raquel
A vida é mesmo cheia de idas e vindas. Temos que ativar as reflexões. Elas nos ajudam, mas as inquietudes são frequentes.
abs
antonio
A Universidade com sua produtividade se tornou um ambiente de burocracia e pragmatismo. Infelizmente, já não representa o seu principal papel crítico-edificante na formação de quadros. Se quisermos fazer o diferente, fugir do comum, temos de nos isolarmos.
A ‘Academia’ representa a imensa crise que vivemos: a produtividade a serviço da morte do pensamento.
Só tento imaginar Nietzsche neste anbiente de rebanho que se tornou a Universidade.
ambiente*. E ainda pode piorar.
Franz
Não podemos nos isolar. Realmente, a universidade se burocartizou muito. Isso é pessimo, mas existem espaços de crítica.
abs
antonio