O futebol e o circo, o pão e o desacerto

Quem se protege da emoção renega sabores. Fica no desencanto da mesmice. A cultura nos traz monotonias, repetições, mas também nos chama para observar invenções, desmontagens, reviravoltas. Nos esportes, temos amplos espaços para viver a diversidade. É fundamental o vaivém do jogo. Guarda uma pedagogia simples, cotidiana, sem metafísicas primordiais: saber perder, saber ganhar, explodir com sentimentos de rivalidades, encantar-se com as acrobacias do espetáculo. Com toda onda das investidas capitalistas, não há como esquecer que a arte sobrevive, também, nos jogos de futebol. Não é exclusividade dos salões internacionais. Firma-se de maneira múltipla, assanhando multidões, preocupadas com o sagrado especial dos estádios e seus altares improvisados.

Nas telas, a Copa América ocupa o noticiário. As análises tiram leite de pedra. A perplexidade, diante de certos resultados, perturba comentaristas e atrapalha sonhos. Os patrocinadores gastam milhões e conquistam públicos imensos, pois o futebol continua fascinando. Pelé, Zico, Maradona, Didi, Rivelino, Pedro Rocha,  pertencem a outro tempo. Cada época curte seus ídolos e não passa sem eles. As comparações tomam conta das conversas. Como ninguém viu tudo, o que não faltam são dúvidas, contradições e incertezas. Quem é o melhor? Responder é um risco. Nem as sereias, que cercaram a embarcação de Ulisses, exerceriam sua sedução, para decretar a existência do craque com universalidade insofismável. Já Ulisses tinha caminhos diferentes, não  ambicionava esgotar fórmulas. Entretinha-se com a saudade e a astúcia.

Duas partidas mobilizaram e criaram expectativas. O circo pegou fogo. Primeiro, o duelo entre Argentina e Uruguai, com tradições lembradas com exaustão. Mais uma vez, Messi, na berlinda, fotografado e seguido pela imprensa, com seu ar de moço desajeitado, de alegria fugaz e inteligência veloz. Os uruguaios são conhecidos pela garra. Não se entregam. Acreditam numa força peculiar e celebram  ousadias com orgulho aceso e permanente. Mostram-se mais centrados no coletivo. Não é admissível desprezar, contudo, os talentos de Forlán e Suárez, a agilidade de Mulsera, o destemor de Lugano. Portanto, qualquer resultado podia pintar no pedaço. Todos esperavam heroísmos, friozinhos na barriga e coração desgovernado. A aventura se deu, com firulas, pancadas, frustrações, feitiços, fôlegos. A decisão chegou aos pênaltis e a Argentina se foi. Os uruguaios mativeram tradições. Tevez, o jogador do povão argentino, simbolizou a amargura, vestiu o farrapo da derrota.

A vez do Brasil se apresentou. Que mistério invade uma seleção de tantos euros? Será que estamos no pântano das ilusões? Fala-se mais em compras e vendas do que na armação do time. Pela frente, novamente o Paraguai. Nada de moleza, pois todo mundo gosta de seguir o brilho da taça. A Copa América destruiu sabedorias e adivinhações. Parecia que o Brasil estava com muita soltura. As acrobacias ficavam, porém, por conta do arqueiro Villar. Chances perdidas e o tempo passando. Nada se definia nos 90 minutos, nem tampouco nos 30 da prorrogação. O desastre  fixou-se na meditação final. O Brasil teve o destino da Argentina. Ficou com as migalhas do pão. Não soube casar o malabarismo com a eficiência. A atmosfera, agora, se enche de nuvens e a fome toma assento na mesa.  O  desenho da última  profecia vive o suspense das tensões.

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4 Comments »

 
  • Gleidson Lins disse:

    Argentina e Brasil têm inegavelmente grandes jogadores individualmente. Talvez a chancela de craque só se aplique a Messi, mas Messi teve apenas lampejos de craque (durante os quais ele serviu seus companheiros com passes geniais para gols que quase sempre não foram convertidos). Nas duas seleções, os técnicos têm apostado estranhamente em alguns jogadores que não estão à altura das camisas das seleções de seus países: são jogadores medíocres aos quais os técnicos dão responsabilidades para as quais eles simplesmente não são capazes: Banega, Lavezzi, André Santos, Lucas Leiva, Jadson, Fred, etc. Os comandos das duas seleções que historicamente têm o futebol mais vistoso devem ser repensados. Ou então estaremos lamentado em 2014 junto com o boa gente, porém aquém de ser um bom técnico Mano Menezes.

  • Gleidson

    Falta entusiasmo e sobram euros. Muita vaidade atrapalha na hora de decidir. Foi , realmente, um final melancólico.
    abs
    antonio paulo

  • Poxa Professor, só queria dividir a alegria de ler uma crônica tão bem escrita. Parabéns e continue nos brindando com sua visão do mundo, futebolística ou não.

  • Odomiro

    Prazer em tê-lo por aqui.
    abs
    antonio paulo

 

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