O mundo espia o mundo na felicidade anônima

Cada sociedade anima suas curiosidades. Ninguém é indiferente, desinteressado pela diversidade do coletivo. A vida dos vizinhos promove especulações. O grande desafio é pensar que, apesar de tanta massificação, o mundo está cheio de divergências e mesmo que atmosferas tediosas façam parte do cotidiano. Não existe um único ritmo permanente. Espiamos o que nos aparece, com ares de distração, mas querendo ir adiante, decifrar enigmas. Há coisas de visibilidade óbvia. Outras que agitam perplexidades pertencem aos mistérios que não abandonam a história. Quem se pergunta qual a medida da felicidade? O riso fácil  anuncia  alegria sincera ou mascara amarguras escondidas no coração? A dúvida não se encerra, quando alguém não dispensa a serenidade e enfrenta os desconfortos com um equilíbrio inesperado.

Cada época conserva singularidades. Conecta com seu tempo, mas não adormece no instante. Todos se seguram na simultaneidade. Visitam a memória, porém programam o futuro, esticando os desejos e formulando possibilidades. O sossego é uma aparência, uma pausa que nos descansa do efêmero. O mundo pede deslocamentos. Não precisa mover o corpo, saltar obstáculos, praticar esportes radicais. Os ruídos de dentro nos incomodam, fazem perguntas, despertam emoções.

As culturas configuram seus sonhos de felicidade. Quem pode desprezá-los? Se a sociedade mergulha no silêncio das depressões, evita as turbulências para buscar a quietude,  significa que valores estão se destroçando e caminhos sendo obstruídos. Não pense que a melancolia é soberana e domina quem não se imagina feliz. Mesmo as depressões procuram, com esforço, seus contrapontos. Podem não encontrar a saída, mas reconhecem o tamanho dos labirintos e não  sentem  únicas na sua dor.

O lugar da fantasia é extenso. Na sociedade da rapidez, ele é carente de profundidades. O medo dos subterrâneos é comum. Gostamos das superfícies, temos apego ao mundo das luzes, do conhecido. Tudo isso também aborrece, contudo ninguém vive sem fazer escolhas. Portanto, as culturas não se ampliam sem invenções. Não se trata, apenas, de produzir objetos. É preciso renovar as sociabilidades, deixar que as tradições se quebrem e instituir relações que consigam atravessar a solidão e festejar o perfume dos outros. A vontade de olhar o mundo é sedutora. Quem se coloca fora da contemplação, repete-se e termina não compreendendo que as cores existem para firmar as diferenças e transformar as formas dos objetos.

Os sentidos ajudam a estabelecer a cartografia das emoções. Eles nos atraem para além das utopias políticas, das racionalizações científicas. Somos colocados nos circuitos das brincadeiras e das adivinhações. Espiamos, então, cada coisa, sem apagar os detalhes e percebendo a dança que sacode a apatia. As linhas retas simulam harmonias, mas elas são desenhos, não têm o gosto das experiências e das narrativas épicas. Quem se entrelaça com a aridez do método nega a inexatidão da história. A felicidade está nos traços das mãos, nas figuras das cartas dos profetas, nos riscos das paredes antigas.  Ela pode se oferecer como uma mercadoria. Convida-o a construir uma leitura do mundo que não possui ponto final, nem respiração contínua. Cuide-se.

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4 Comments »

 
  • Rafael Ferreira disse:

    A felicidade é um grande problema, sempre foi e creio que sempre será, é muito difícil entendê-la, e ainda mais descrevê-la. Não importa a cultura e o tempo ela sempre é nosso foco, mas nem sempre é o que conseguimos, alguns afirmam que o dinheiro é a verdadeira felicidade, outros que é o amor, o equilíbrio, amigos e família, objetos, mas ao certo ninguém consegue encontrar sua plena existência e em geral ela surge sem percebermos. Creio que devamos continuar a sua procura, algum dia alguém descobrirá, até lá é continuar a viver acreditando nela.

  • Rafael

    È sempre bom ter ânimo para não perder o compasso da vida.
    abs
    antonio paulo

  • Filipe disse:

    A cultura é a significação da sociedade que se forma ao longo dos tempos pelas performances do homem. O sentimento humano se expressa na cultura por ele produzida, que de certa forma é infinita na medida em que o homem se reinventa e inventa o seu mundo.

  • Filipe
    A cultura constrói significados. Eles são sinais da vontade humana de manter ou mudar a vida e seus costumes.
    abs
    antonio paulo

 

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