O progresso e o futuro na dança dos sentidos

Discute-se se há um sentido para história. Há divergências que afetam sua pretensa cientificidade. A questão do tempo é fundamental. O costume de criar relações de causas e consequências foi forte durante uma época. Tudo se amarrava, sem problemas. A história ganhava um conteúdo e parecia coerente nos seus andamentos. No entanto, a linearidade esconde muita coisa. A ideia de sucessão acelerada não satisfaz. Não há um tempo soberano e definitivo. As ligações com o passado confundem e alimentam repetições. Existem novidades, surpresas, conquistas, mas os vestígios do passado não estão ausentes, como também as projeções para o futuro. A quebra da concepção de progresso se concretizou, não sem polêmicas ou permanências de discursos atrelados aos feitos tecnológicos.

A quantidade de fontes aumentou assustadoramente. Se tudo é história, o pesquisador expandiu sua consulta aos acervos e o trabalho de selecionar documentos se torna exaustivo. Não estamos no século XIX. Passamos por muitas mudanças no conhecimento. Marx, Nietzsche, Freud, Benjamin, Foucault trouxeram contribuições que fragilizaram o encanto com o progresso e alargaram o território das incertezas. O singular se reveste do plural. A história são histórias, o sentido são sentidos, a narrativa são narrativas. Não é uma brincadeira ou jogo de palavras. Mesmo que se aceite que há múltiplas interpretações, as regras rondam os raciocínios. Não há uma explosão  do saber e uma relatividade absoluta. A vida entrelaça-se com um fazer cotidiano que nos importuna. É impossível controlar todos os atos. Sobram dúvidas, mas há caminhos e vontades.

A diversidade é que inquieta. As oportunidades vão e voltam. O passado silencia, às vezes, e sentimos prisões inexplicáveis. Por isso que há nostalgias, lembranças longínquas e desenhos de paraísos perdidos. As culturas não sobrevivem sem essa ida aos subterrâneos e aos labirintos. Se tudo estivesse evidente, não se firmariam tantos desconhecimentos e pesadelos. A história existe porque as lacunas não se preenchem. A falta é nossa companheira, mesmo que os dogmas insistam em determinar apocalipses. O corpo é o grande espelho. Ele não é uma máquina. Sofre, se agita, fertiliza sensibilidades, cobra cuidados. Ele nos avisa que a precisão é uma utopia. Inventamos sempre. Nos laboratórios, nos sonhos, nas fantasias mais simples navegamos buscando transcendências. A coisificação da sociedade de consumo rompe e estimula desejos. Estamos cercados de ambiguidades.

Daí, a dificuldade de produzir o sentido e sair do círculo da instabilidade. Ninguém opta por amarguras perenes, embora a vida possua seus desequilíbrios. A exaltação ao progresso veio acompanhada da possibilidade de modificar os desconcertos e remontar o social. A ciência e a razão dimensionaram um mundo que se dizia livre dos mitos e do sagrado. Os anúncios se afundaram nos abismos mais estranhos. Aconteceram guerras, para alguns inesperadas, e a história de uma comunidade solidária perdeu-se. O futuro não garante superações, pode aumentar os medos e as inseguranças. O tempo ou os tempos nos ensinam que as catástrofes não se afastaram da sociedade. Elas intimidam. A imaginação não é escrava de um sentido único. Nunca se deve esquecer que a história é uma construção humana.

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12 Comments »

 
  • Naymme disse:

    A modernidade (é o que mais gosto nela) é a época da dúvida como valor.Espantar-se com o obvio, questionar como método.
    Beijo
    Naná

  • Vítor Jó disse:

    Napoleão certa vez disse que a História era um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo. Por um ângulo, concordo inteiramente com ele, por outro me encuco, pois o fato dele ter dito isso também é só História…hahaha

  • Cada um escolhe sua história e busca o sentido. Não é fácil.
    abs
    antonio paulo

  • Naná

    A modernidade traz a crítica e assume outro tempo. Mas ainda não encontramos o caminho que ela acenou com seu iluminismo.
    bjs
    antonio paulo

  • Gleidson Lins disse:

    Isso é que faz da história algo hipnotizante: a dúvida e a subjetividade. Um exemplo: quando Carlos Magno foi coroado imperador do Sacro Império Romano em 800, ele e um punhado de pessoas ao seu redor imaginavam reviver a glória do Império Romano Ocidental outrora destruído pelos seus ancestrais germânicos, enquanto que a maior parte das pessoas sequer conhecia a história dos acontecimentos do vilarejo em estações anteriores.
    A história é fascinante.

    abs,
    Gleidson

  • Gleidson

    O ritmo da história foge da mesmice. Há repetições, mas também surpresas contagiantes. Assim vamos buscando equilíbris.
    abs
    antonio paulo

  • Christiane Nogueira disse:

    A imaginação não é escrava de um sentido único, a história é uma construção humana sujeita a subjetividades e a criação geme em dores de parto.
    Muito tempo se passou para que a História atingisse o status de ciência. Durante esse percursso, a construção histórica teve suas idas a um futuro próximo, pretendendo-se vanguardista, e muitas vindas ao passado em busca de referendo e explicações para suas teses do presente. Se, antes, os historiadores contavam com fontes prestabelecidas e ditas “oficiais”, além da lineariedade do tempo histórico na construção de suas narrativas, hoje se veem diante de uma realidade pragmática e fulgaz, rica em fontes carentes de depuração.
    Essa nova realidade põe à prova o ofício do historiador. Os fatos estão soltos e as lacunas prontas a serem preenchidas incesantemene. O desafio da escrita histórica do tempo presente está lançado diante da diversidade inquietante. Resta apenas saber quem se habilita.

  • Christiane

    O historiador acompanha seu tempo. Não pode perder de vista as mudanças e observar as permanências. Faz parte da sua caminhada.
    abs
    antonio paulo

  • Murilo disse:

    Talvez a historia não deva ser realmente uma ciência, se considerarmos a falta dos testemunhos oculares ou câmeras fotografias e filmagens. Mas, ciência ou não, supre curiosidades e preenche espaços que, estariam muito mais vazios sem suas incertezas. É inevitável recorrer ao passado para tentar encontrar novas pegadas em direção futuro. O progresso é individual. Por esta razão, torna-se lento. Dependemos dos olhos uns dos outros para que possamos enxergar soluções viáveis aos históricos contratempos. Mas o que se pode fazer, se a ganância exalta as individualidades em detrimento do coletivo? O que fazer se as palavras que ganham notoriedade não são dos mais humildes? O progresso depende de um referencial. Depende do que é ou não considerado prioridade. E quem melhor do que os inoxidáveis do poder, para decidir isso por nós? A história é precisa em nos dizer que não.

  • Ivana disse:

    Somente a religião pode falar em um sentido geral para vida, já que este pressupõe que somos visados. Se existisse mesmo um sentido geral teríamos achado a unidade tão procurada… seriamos uno em algum “sentido”, mesmo que não fosse no deus cristão.
    É verdade talvez possamos falar em sentido individualmente.
    Não notamos que a permanência não esta nas coisas, mas nas leis que impomos a elas. Confundimos a tal ponto os objetos com a nossa intelecção que atribuirmos noções de unidade onde não há, e acreditamos nela. Nos tornamos reféns de um mundo criados por nós. A noticia boa é que já estamos percebendo isso.

  • Ivana

    As relações são encontros, nem sempre chegam a bom termo. Por isso, as desconfianças e os devaneios. Todos buscamos sentidos, mas é difícil a quietude diante de tanto significados.
    abs
    antonio paulo

  • Murilo

    O importante é que a história nos ajude a refletir sobre o mundo. A inquietude faz parte da vida e das descobertas, mesmo que os sentimentos se sintam pequenos e precisem de silêncios.
    abs
    antonio paulo

 

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