Os acasos e as necessidades nas histórias vividas

Sempre me pergunto se tudo possui um sentido. Custo a acreditar num acaso extenso e dominador. Não haveria, então, como falar em fundamentos. A prevalência do mistério acompanharia a vida. Talvez, tudo fosse um grande jogo, programado por um astucioso engenheiro eterno e vigilante. Pode ser? Mas  se as religiões estiverem com as verdades? Se existir um único deus, com paraísos e  anjos encantadores? Para que construir a história se os desejos estão entrelaçados? O absurdo responde como saída de um labirinto inimaginável? O mundo cheio de armadilhas não nos deixa sossegar. Há quem adormeça na indiferença ou abrace-se com os dogmas.

Não consigo mergulhar na inércia, nem tampouco sou partidário de verdades imutáveis e definitivas. Portanto, minha navegação é turbulenta, por isso que fantasio tanto sobre os tapetes mágicos. Não me canso de olhar os desencontros do mundo, sem compreender a falta de ânimo de alguns para o desafio ou a ousadia. Há certo marasmo, mascarado pela diversidade tecnológica e as brincadeiras eletrônicas. É complicado o humano quando se cogita estar vivendo a pós-história. A ideia de ruptura, de que algo foi abandonado, no entanto não elimina as nostalgias. Somos o tempo e , contraditoriamente, seus espectadores. Se tudo se amarra na luta por uma necessidade única, por que tantas simulações e esconderijos? Acaso e necessidade são, apenas, máscaras?

Não descolo do pensamento de que a permanências e as mudanças andam juntas. A sociedade produz escândalos, corre atrás de soluções, desenha projetos efêmeros, porém se não pacifica e nem despreza idealizações. A sobrevivência é uma travessia, mesmo que a miséria danifique qualquer vestígio de generosidade. O avesso, no entanto, persiste. Há os que se sentem poderosos, disputam riquezas, promovem guerras. Neles, a satisfação não ancora e a exibição desmorona a ponte que poderia transformar as sociabilidades mesquinhas. A multiplicidade e a incompletude chamam para reflexão e mostram que a convivência com a falta é uma fatalidade. Arrumamos sorrisos, arquitetamos subjetividades, prolongamos emoções, porém os desertos aparecem, repentinamente, e temos que reconfigurar amarguras e diluir os tédios. A corda estica e volta, não se firma.

Cada um localiza sua imagem e se acomoda no espelho mais próximo. Nada como repetir Paul Auster: O mundo não é apenas a soma das coisas que estão nele. É a cadeia infinitamente complexa de ligações entre elas. Cabe, então, inventar ou perceber que tudo se toca, independente das nossas vontades? As coisas estão soltas ou se comunicam quando se mostram estranhas e inconstantes? Aposto nas sociabilidades. Aposto que tudo engana a solidão. Na moradia mais escura, há conversas cheias de luz e de magia. O importante não é somar o que se equivale, mas o que se conflita. Os riscos não podem ser dispensados e os medos precisam de avaliações perenes. O perfume que, hoje, me seduz não garante a duração do instante e segurança do afeto necessário. Mais uma vez Auster: O que acontece hoje é uma simples variação do que aconteceu ontem. Ontem ecoa hoje e o amanhã vai prenunciar o que acontecerá no ano que vem. Será?

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10 Comments »

 
  • Geovanni Cabral disse:

    Amigo, esse texto me deixou sem palavras. Quantos significados podemos tecer dessa reflexão, quãos fios percorrem o labirinto da vida… As perguntas realizadas somam curiosidades, filosofia, mistério e magia. Gosto do ponto quando estamos filosofando e paramos na magia, na sedução do inexplicável, das palavras que não foram ditas. Viver é está entrelaçados, inseridos em contextos e relações que nem sempre precisam ser definidas ou entendidas. Tem muitas coisas que passam como um vento que tocam nosso semblante em noite de lua cheia. Existem mistérios, sonhos e estes projetam sua cartografia, suas linhas em nossa existência. A história se insere nos conflitos, nas lágrimas, na solidão. Convivemos no espetáculo do circo como em uma corda balançando entre a mudanças e a permanência. A queda é inevitável, as lágrimas também. Mas a superação é a certeza de tentar outra vez, de caminhar nesta corda, nesse desafio. As coisas não estão soltas, elas se comunicam. E não temos certezas do próximo instante, do amor e da solidão.

  • Valerio disse:

    Antonio, acumulam-se dúvidas no espectro formado pelo destino e o acaso, somos confundidos pelas coincidências ou, quem sabe, pela Providência.
    A cada dia nossas pre-disposições vão se adaptando aos acontecimentos incidentes ou contingentes, vamos vivendo.
    As certezas temos poucas enquanto os enigmas são infinitos.
    E assim caminha a humanidade…

  • Valério

    A relação com os enigmas marca nossa vida. Vamos entre as dúvidas, buscando os sentidos.
    abs
    antonio paulo

  • Geovanni
    A complexidade da vida é desafio. Toda resposta requer outras respostas. São muitas viagens, numa só.
    abs
    antonio pualo

  • Zélia Gominho disse:

    Adorei, ou melhor, contemplei cada paisagem da palavra por ti escrita, que expressa puro sentimento de estar nesse mundo tão simples e complexo de mudança e não-mudança. Também fiquei sem palavras como Giovani. Mas, ao mesmo tempo – o tempo que nosdá tempo pra pensar -, com tantas palavras que ainda tenho dificuldade de escolher qual emitir? Sou religiosa tu bem sabes… Muita luz em teus caminhos. Abração.

  • Zélia

    Você sempre muito generosa. O que vale é a solidariedade e o bem-querer. Isso nos faz próximos.
    abs
    antonio paulo

  • Gleidson Lins disse:

    A alusão à possibilidade do “astucioso engenheiro” é interessante por refletir ideias religiosas que nos acompanham desde tempos imemoriais, mesmo eu não conseguindo aceitar os conceitos religiosos. Compartilho do entrelaçamento entre permanências e mudanças. Ao mesmo tempo que há avanços, pontos de inflexão, outras coisas permanecem, como a religião.

    abs
    Gleidson

  • Gleidson

    Muitas sabedorias existem, mas os mistérios continuam. Isso faz parte das culturas. Não dá para esclarecer tudo.
    A magia é integrante da vida e das suas aventuras.
    abs
    antonio paulo

  • Murilo disse:

    Não acredito nesse tal acaso. Acredito que buscamos as coisas, consciente ou inconsciente. Chegam até nós por uma força que, só se explica aos que compreendem os significados da natureza humana. Não somos apenas um amontoado de carne e ossos. Somos seres integrantes em ecossistema planetário. Estamos aqui por um nobre motivo. A religião, assim como o próprio ceticismo, são apenas alternativas dentre milhares, para uma compreensão de sua existência. A verdade é individual. Não está prescrita em receitas, mas no entendimento que cada um tem sobre sua realidade e a natureza das coisas.

  • Murilo

    Cada um segue suas trilhas. Às vezes, tudo parece coordenado e articulado. De onde chegam as surpresas? Tudo pode ser decifrado?
    abs
    antonio paulo

 

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