Os mundos construídos e a brincadeira sem fim

Necessidade ou acaso. Amor ou desespero. A roleta da vida não se resume mais às escolhas dualistas. A diversidade trouxe de outras medidas. Mudaram-se os lugares, pois cada minuto acumula milhões de história. Adão e Eva já planejavam lotear paraíso e entrar em acordo com a família da serpente. Quem foi mesmo que inventou o mundo? Talvez, a pergunta fosse outra, mas rica de reflexão: quem construiu e firmou os significados primordiais? O mundo está feito, tem idade ou pertence às aventuras das fantasias humanas? Se tudo for acaso, brincadeiras intermináveia, como ficam os saberes, as verdades sagradas, a redenção no juízo final?

Se o jogo da história está no reino das palavras, como formular as sequências da vida e confiar que existe passado? A ideia de construção alimenta pedagogias e raciocínios acadêmicos. O famoso real se confronta com complexo imaginário, mas a sociedade não se cansa de formular conhecimentos. As bruxas e os mágicos não pertencem, apenas, as páginas dos livros infantis. Basta usar uma roupa formal para ser testemunha das artimanhas para descobrir os mistérios do cosmo? Muitas vezes, a observação anônima esclarece como a estrada precisou do desenho de tantas curvas. Portanto, a vastidão do mundo requer invenção e não limites inquestionáveis.

Discute-se a identidade, porque não cultiva certezas. As pessoas possuem enigmas, não se mostram transparentes, defendem-se dos possíveis amores, se retraem diante da ameaça das angústias. Não julgue a ficção como espaço da mentira elaborada. Ela acena para se imaginar outros caminhos, mesmo que tenha linhas absurdas. O importante é se contrapor ao que parece concreto e inadiável. A arte da escrita não vive sem malabarismos, porém fabrica espelhos para que não percamos de vida as diferenças. Por que negar a capacidade de redefinir o vivido e aprofundar as noites de insônia?

Acompanhemos Vargas Llosa, sem pressa, nas elucubrações feitas no livro A verdade das mentiras: A ficção é um sucedâneo transitório da vida. O regresso à realidade é sempre um empobrecimento brutal: a comprovação de que somos menos do que sonhamos. O que significa que, ao mesmo tempo, os livros de ficção aplacam transitoriamente a insatisfação humana e também a atiçam, explorando os desejos e a imaginação. A citação de Llosa é sábia, pois traz a poeira da incompletude, não como defeito, mas como estímulo para transcender o efêmero e viajar por outras vidas, enredadas por palavras e surpresas.

O perigo de traçar fronteiras é o de afirmar códigos e aprisionar o mundo num dualismo imóvel. A narrativa habita o que está dentro e o que está fora. Acrescenta respiração ao que parece mínimo e frágil. García Márquez fez de Macondo uma conversação com universos que ele (des)conhecia. Escrever é revelar que o território da aventura possui suas dores, mas também brinca com fugas e anestesia o presente que atordoa. Porque a vida real, a vida verdadeira, nunca foi  nem será suficiente  para satisfazer os desejos humanos. Não se acanhe diante das metáforas de Llosa. Como detetive distraído, compreenda-se coom uma ficção.

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3 Comments »

 
  • Amanda Suellen Oliveira disse:

    O ser humano busca,mesmo que inconscientemente,aplacar seus vazios(muitas vezes surgidos por não obtenção de respostas ao que se ver e vive).Nesse contextos,surgem as “verdades” de cada um.Estas,produzem um certo alívio.Parece que nós temos a necessidade de enxergar respostas que tragam obviedade para nossa existência.Enfim,a vida e seus enigmas…Na minha opinião o melhor da vida é saber que não sabemos de tudo,não somos capazes o bastante para explicarmos tudo.Imagina se fôssemos!!!??? Somos tão limitados e tudo já é como é…Quem criou tudo isso,com certeza,possui toda sorte de sabedoria(risos).
    Enfim,diante de tudo,o mais deslumbrante são os questionamentos intermináveis,os quais trazem,em si,uma ampla multiplicidade de possibilidades.As verdades existem dentro de cada um.Aquilo que produz saciedade existencial,merece ser cultivado.Fora isso,o respeito as diferenças de ideias deve ser o primordial.Por fim,dentro do enigma da vida,acho que todos nós encontraremos infinitas surpresas que,talvez,nos surpreenderão por ser opostas ao que pensávamos.Acho que é de tamanha grandeza que está fora do alcance da imaginação.Podemos chegar perto,porém,na minha opinião,é um perto muito longe…

  • Amanda
    Não podemos dar conta de tudo, mas aceitamos o desafio de viver. Não sabemos a linha da estrada, mas segue o tempo que nos envolve.
    abs
    antonio paulo

  • Amanda Suellen Oliveira disse:

    Claro! concordo plenamente.

 

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