Os olhares do passado e as histórias nostálgicas

A velocidade que nos impede de aprimorar reflexões e nos faz correr atrás do trabalho, também traz confusões para a  memória. É impossível pensar uma sociedade que tenha um ritmo de tempo uniforme. Se mergulharmos nas nossas subjetividades notaremos flutuações incríveis. Há dias de ansiedades crescentes, outros de calmarias que incomodam. Há passados que aparecem para curtimos lembranças e fabricarmos nostalgias. Sentimos um sossego, caímos em sentimentos agradáveis. Esse vaivém da memória não é, portanto, algo do tempo presente. Constitui a armação da vida, seu modo de esticar os desejos e realinhar os projetos.

No entanto, o consenso sempre é um grande impasse. Não há como assumi-lo. Ele poderia ser uma saída para evitar tantos desacertos. Como montá-lo diante de tantas diferenças? E o perigo da censura, da repressão, das manipulações instituídas para obtê-lo? Não seria um grande disfarce? Não é a aproximação das culturas que apaga conflitos. Houve certa ilusão de que a aldeia global criaria condições de vida mais saudáveis. Existe uma massificação que invade o cotidiano. Alguns espetáculos fazem parte de rede de convencimento e conformismo. Mas como comparar sociedade que convivem com problemas de fome com outras que estimulam consumo? Quais as expectativas de cada uma?

Mesmo com toda tecnologia poderosa na homogeneização dos hábitos, não há como desfigurá-los nas suas singularidades e arquitetar um mundo sem dissonâncias. Portanto, observamos os movimentos políticos nos países muçulmanos, as eleições municipais no Brasil, os choques culturais na Europa, sem deixar de visualizar que os valores são outros. Não é preciso muito esforço. Nas vivências pessoais e familiares os sentimentos surpreendem e os afetos também se desfazem. Não há regras imutáveis. A instabilidade nos envolve, mas não estamos isolados, guardados numa solidão sem fim.

Dividimos a história em períodos. Procuramos compreender semelhanças, comportamentos comuns. A instituição do imaginário social é complexa, por isso há tantas teorias buscando decifrá-la. As dúvidas, porém, persistem. Não há como desprezá-las. Existem ficções que tentam firmar utopias, mostrar um mundo pacificado. As fugas existem, com caminhos desencontrados ou bem articulados. A história, contudo, transformou aquela ideia de que as identidades fixas compõem a cultura de forma permanente. Nem tudo, modifica-se de forma radical. Num mundo contemporâneo, as vestimentas mudam, porque a velocidade exige e a sobrevivência formaliza ordens interessadas na produção de novidades. Não vivemos sem uma concepção de tempo.

Com toda a pressa que, às vezes, nos alucina não nos afastamos das recordações. Não dá para anular as referências e olhar o futuro, sem desvios. No social e nas aventuras individuais, a memória está junta. Ela balança o esquecimento, sacode a poeira de dores envelhecidas, reúne sentimentos do passado com escolhas do presente. A saudade não se vai. Ela constrói pontes que mantêm a dinamicidade do tempo. Tudo isso atiça raciocínios. Nem sempre, saímos com ânimo de tantas questões. Não há como escapar das histórias, nem tampouco destituir suas narrativas das conversas da vida. Desde os paraísos imaginados que estamos dialogando com desobediências e ousadias. Por isso, sobram pontos de exclamação.

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2 Comments »

 
  • Raquel Muniz disse:

    Exclamações de sobra, com toda certeza. Às vezes somos isso, às vezes aquilo. Ações, recordações… um olhar de cada lugar. Um entendimento do alto de cada fase da vida: falar maduro ao lidar com pessoas difíceis, oitenta anos ao dar conselhos para um filho, dezesseis anos quando nos apaixonamos… Somos todos em um só. E, espantados, refletimos: – Haja exclamação para tudo isso!

  • Raquel

    Nós convivemos com muitas perguntas e exclamações. Não vejo como fugir disso. Mas é preciso muito cuidado para não perder o sossego…
    abs
    antonio paulo

 

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