As múltiplas cidades e seus perten(cimentos)

 

As cidades desafiam planejamentos. A diversidade invade seus cotidianos. Surgem sociabilidades junto com nostalgias. A moda é uma grande mistura. Mas não há como cessar os diálogos , nem os conflitos. Há concepções de mundo que recordam séculos religiosos, há preconceitos inesperados, há ficções científicas que entusiasmam apocalipses. Portanto, é difícil definir, traçar linhas retas, fugir dos abismos, acreditar que o futuro afastará os descontroles. Num mundo cheio de contradições, os saberes possuem formas que se renovam e necessitam de nomes, ocupam cartografias e sentimentos, desmancham vazio e sossegos.

As cidades são cenários dos dramas mais radicais. Vendem o luxo, prometem tecnologias. Elas têm algo em comum, mesmo que expressem necessidades diferentes. Não vivem sem lutas, nem abdicam de tradições. É preciso referências, mesmo que o descartável avance e tome espaço nos classificados dos jornais. As moradias de alguns podem lembrar certos castelos medievais, porém outros não percebem que estão num mundo instável e aventureiro. As especulações se espalham como concretos armados negociados por metro quadrado. Muitos confundem solidão, com isolamento. Exilam-se em apartamentos minúsculos e se distraem com as acrobacias dos computadores.

Se Paris guarda suas reflexões intelectuais tão festejadas, o Rio de Janeiro se diz maravilhosa. Há cidades que padecem de sofrimentos quase coletivos. Quem pensava que o humano se iluminaria com as utopias tropeçou na pedra fundamental. Não é a razão cartesiana que programa a vida, nem podemos fixar estratégias que afirmem felicidades. A história muda seus lugares, porém não garante descontinuidades, nem revoluções que socializem alegrias. Os conflitos mostram que os individualismos não cessam de incomodar e derrubar éticas. O que aproxima pode afastar, a globalização se apropria de máscaras para se manter.Evitar conviver com a multiplicidades é apenas um desejo. Quem se esconde em interioridades e fingimentos termina naufragando.

Os olhares não determinam cores perenes e formas acabadas. As cidades persistem nos provocando, fazendo com que desconfiemos dos amores românticos desenhados em certas paisagens. Todos sentem que a transparência é um mito. Quem ousa, contudo, imaginar que as brincadeiras são supérfluas e o riso uma ilusão? Vivemos os cenários com as perturbações flutuantes, perdidos nas avenidas e nos becos estreitos. Os pertencimentos  se compõem com os afetos que dão nome aos espaços que a astúcia imobiliária transforma em valor de troca. É o jogo que fascina a arrogância dos individualistas.

As cidades não dispensam lembranças. Estão abraçadas com memórias que agitam passados, porém fogem do cotidiano veloz. Vê-las como objetos é fragmentar o convívio e celebrar a lógica da acumulação. Não é à toa que o desamparo assusta multidões e os cartões de crédito simbolizam conquistas consumistas e soltas. Cada um arquiteta sua cidade, deseja afetos, se sufoca com a perplexidade. É um engano desprezar a moradia e riscar a socialização dos encontros. O invisível e o visível devem ser traduzidos, não apenas pela frieza técnica e a disputa política. A vida tem seus leitos que aconchegam.

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