Newtown: a tragédia anunciada e a violência desmedida

O susto nos tira referências. Surpreende. Quando a dimensão coletiva toma conta dos acontecimentos os balanços do coração viajam sem rumo. Novamente, Estados Unidos, na cidade de Newtown, numa escola, com crianças, a violência não se acanhou. Deixa a perplexidade morando na aldeia global, a incerteza dominando espaços que nos acolhem. Há paz ou sossego em alguma esquina perdida? As tensões sobrevivem com força, caminhando pelas guerras, pelas ruas, pelos bancos, pelos governos. A sociedade não tem homogeneidade. Todos sabem. As diferenças acompanham as culturas, contudo a dor, muitas vezes, está além de qualquer ato.

Inquieta-me escrever sobre o imediato, sobretudo quando ele ganha o rosto da tragédia. As permanências tiram o eixo de quem exalta o progresso e coloca a grana para mover a convivência. Parece que o trabalho assalariado nos indica as saídas e o capital estimula alegrias inusitadas. Quem se lembra do afeto? As pessoas matam por que surtam? Há uma gratuidade que abraça cada sentimento? Somos construção, animais sociais e históricos. Inventamos, desprezamos, congregamos, diluímos. Cabemos em todos os verbos, costuramos vestimentas, qualificamos modas. Os poderes se dispersam, porém há quem os monopolize e concretize ambições.

As carências conjugam a incompletude. Não se explica a violência, apenas como um episódio isolado, cercado de sensacionalismos. Morreram crianças, sofrimentos não se calaram, as notícias revelam desespero. Mas quem questiona o modelo que prevalece? Quem desmitifica os fazeres da competição e do consumo?A questão traz sentimentos não, apenas, pela quantidade. Quantas pessoas morrem por dia, com fome, nos conflitos urbanos, nos confrontos entre as quadrilhas, nos abrigos dos  refugiados? É impossível citar todos os lugares da morte, num mundo que se enfeitiça com a tecnologia de ponta e se diverte com os amigos ocultos.

Se a forma de conviver não se altera, os jornais continuarão alarmando, vendendo tragédias. Fala-se da loucura, dos hospitais psiquiátricos, dos desenganos da esquizofrenia. Talvez, as análises enfatizem o individual, percam de vista as divergências, as disputas, o desejo fascista que assanha grupos. A sociedade mobiliza-se na velocidade. Como cultivar um tempo para reflexão? É preciso deslumbrar-se com o sucesso, mesmo que nos coloque neuroses e epidemias invisíveis? Como tudo passa festejando a riqueza, como tudo tem o perfume da mercadoria, com o passar do tempo surgem outras violências. Lamenta-se, tritura-se o coração, mas mudanças radicais nunca são compartilhadas.

Quando se diz que as tragédias são anunciadas, procura se reforçar uma crítica às relações que estão sendo tramadas. Se a fama encanta, se as televisões criam fantasias, se os governos querem salvar a liberdade com políticas de inclusão social, é fundamental não adormecer sobre as ilusões, não esquecer a falta de transparência que se  mistura com  filantropias astuciosas. Ocorrem assassinatos coletivos  e eles se repetem em situações, aparentemente, sossegadas. A violência não é o retrato único das perdas materiais. Pouco se argumenta em defesa da solidariedade. A maioria termina se animando com prêmios que aumentam a solidão e estimulam a inveja. Não é estranho, portanto, que a afetividade não consiga encantar e refazer os diálogos.

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