O calendário e as marcações da vida e do tempo

Ninguém nega que o tempo passa. Pode até falar que muita coisa se repete, mas o tempo corre. Há quem acredite em destino, cartas marcadas, bolas de cristal. A corda bamba é uma metáfora que atinge cada cotidiano. Não faltam visões de mundo diferentes. As unanimidades se perdem na complexidade dos mistérios e nas dificuldades de se testemunhar as origens. As experiências da vida são aprendizagens intermináveis, não há caminhos esgotados, nem sinalizações definitivas. Por isso, gosto de olhar o calendário, mesmo cheio de suspeitas. É uma forma de arrumar a sociedade e planejar como escapar dos infortúnios e concentrar-se no trabalho que ritma as horas.

Sei que, ali, se expressam uma objetividade, uma tentativa de atender as variações da cultura e não desprezar a memória. Nem tudo é tão simples, pois o poder estabelece suas regras e os vencedores suas políticas. A imaginação pode ser controlada, porém ela continua nos trazendo sonhos e projetos. Vivemos de recordações e esquecimento. Sacudimos o passado, sem abandonarmos o futuro. O vir-a-ser dá ânimo, causa incertezas, fragiliza a monotonia. As ambiguidades mostram a inquietude de cada instante, os deslocamentos surpreendentes, os desejos fluindo em busca de moradias habitáveis, longe das frustrações.

Vamos contando os anos, vendo o tempo redesenhar geometrias e as esperanças vacilarem nas crises constantes. A sabedoria conversa com a serenidade. Não há como firmar um equilíbrio. A instabilidade fez uma união indissolúvel com incompletude. Os calendários são cartografias indicativas de que é preciso simular celebrações, encurtar ansiedades. Não é à toa que as histórias coletivas misturam-se com as individuais. Distingui-las é uma arte, embora a vida social prevaleça instituindo as escolhas e os descaminhos. A tecnologia veloz desgasta as sociabilidades. Apesar dos imensos ruídos, existem silêncios que submetem os corações atônitos a questões permanentes.

Não adiantam tantos meios comunicação, quando os escorregões da sinceridade são frequentes e avassaladores.Há um mercado de trocas de valores e sentimentos. Contando os anos, costurando as experiências, construímos narrativas e bordamos significados. Não há uma contabilidade rígida, nem estamos nas negociações de uma multinacional. A vida não é uma sucessão de fatos inabaláveis, comportados. Ela instiga, porque não se define e desafia qualquer conhecimento. É tudo aquilo que não podemos dizer dela. Quem inventa não se cansa. A cultura traz o novo, recompõe as indagações, mas não coloca ponto final em nada. Sempre estamos cercados de possibilidades, a gramática muda, o caos não se distancia da ordem.

Há várias formas de sintetizar as aventuras que narramos. A diversidade distrai quem firma hierarquia. As idades não determinam evoluções, pois afetivamente não temos uma trilha que encerre verdades e fixe expectativas. Olhar o calendário é lembrar-se, seletivamente, dos desfazeres da vida, das paixões inesperadas, dos encontros nas esquinas pouco iluminadas dos amores incontroláveis. Festejamos, articulamos intimidades, deixamos que a vida se paciente. De repente, escutar a solidão, esconder-se no momento de agitação é atravessar, em segundos, o indecifrável das travessuras e das apatias. Somos nós e os outros. A continuidade é uma respiração. Abala fôlegos.

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8 Comments »

 
  • Natália Barros disse:

    Esse é o seu mês! Muitos sonhos e muita energia para realizá-los! Abraço beeem apertado!

  • Natália

    Você sempre trazendo seu afeto.
    Bjo
    antonio paulo

  • Flávio disse:

    Camarada, estamos em Brasília, por isso não poderemos ir aí lhe dar um grande e afetuoso abraço. Mas estamos aqui mandando nossas melhores energias para você. Muita saúde e paz nesses próximos 60 anos.

    Grande abraço.

    Flávio, Beta e Daniel.

  • Flávia Campos disse:

    Antonio, especialmente hoje, PARABÉNS!

    Pelo dia 02/07… Pela bonita forma de nos “acordar para o mundo”, ainda que “sem saber quais os caminhos seguidos que podem trazer equilíbrios”.
    Parabéns pelos poemas, por “imaginar o desenho do infinito”, “enquanto os deuses descansam” … e “os poetas continuam trabalhando”.
    Parabéns, pelo seu tempo vivido ser sempre mais forte e intenso que o tempo corrido…
    Por reconhecer que “as experiências da vida são aprendizagens intermináveis” e que “não há caminhos esgotados, nem sinalizações definitivas.”
    Parabéns por poder contar os anos, vendo no calendário o tempo redesenhar geometrias…
    Por ouvir “a sabedoria conversar com a serenidade”… reconhecendo que, “apesar dos imensos ruídos, existem silêncios que submetem os corações atônitos a questões permanentes.”
    Parabéns por nos permitir, em meio aos “desfazeres da vida”, apreciar e ler os “romances de Victor Hugo, as pinturas de Picasso”, as narrativas de Rezende, que tanto nos causam “perplexidades e encantos”.
    Parabéns Antonio, por um viver cotidiano do “somos nós e os outros”.
    Só um poema/oração para agradecer sua vida:

    ORAÇÃO À VIDA(*)
    Vida, vida, velha amiga
    Livra-me de desperdiçar-te
    Leva-me aonde haja arte
    E do amor nunca me apartes.

    Em troca, pouco tenho a dar-te:
    Só estas mãos, de amizade;
    Só estes versos, se aceitares
    Prenda tão pouca, tão exígua;
    Só estes sonhos, com que prossiga
    A celebrar-te em teus altares.

    Bjs
    Flávia
    (*) do livro “É lenta a palavra tempo” de Walter C. de Moura (o livro completo, um “pombo correio” está levando para o aniversariante).

  • Flávia

    Você é sempre muita inspirada e me deixa sem fôlego. Muito bonito, fico sem palavras diante da sua generosidade. Que a vida nos mantenha nos seus bons encontros!
    bjo
    antonio paulo

  • Flávio

    Grato pela lembrança. Quando estiverem por aqui faremos a celebração. Espero mesmo chegar aos 120. Que desafio!
    bjos
    antonio paulo

  • Emanoel Cunha disse:

    “As idades não determinam evoluções”,é verdade, pois seus encantos e desencantos são apenas um começo. Vivê-la é contorna-la a novas maneiras de se pensar novas expectativas.
    Seguindo suas trilhas com suas designações e realizações.

    Abs

  • Emanoel

    A complexidade dificuldade a construção de regras. Os modelos passam.
    abs
    antonio

 

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