As máquinas ditam o ritmo das cidades agitadas

A cidade é uma  invenção histórica de complexidade ímpar. Não deixa de ser uma moradia, apesar de possuir grandiosidades que entusiasmam e inquietam. Não é possível estabalecer muitas comparações entre Bizâncio, na Idade Média, com o Rio de Janeiro, do século XXI. Basta pensar na trilha do tráfico, na torcida do Flamengo, nos barzinhos charmosos de Ipanema. Nem por isso, as distâncias são inegociáveis. Queremos convivência social, afagos, disputamos espaços, enfim as cidades terminam por se parecer, mesmo que costurem outras sociabilidades. Italo Calvino é o mestre do seu simbolismo. Seu livro As cidades invisíveis é transcendência, percorre o humano com uma sutileza admirável. É uma escrita fabulosa. Mais recentemente, Pamuk também, em Istambul, trouxe a cidade para  cenário estético das palavras, bordado as páginas, com força imaginativa e afeto emocionante.

São referências pequenas no número, pois existem outras obras de valor indiscutível. É, apenas, para começar a conversar sobre o cotidiano que vejo e sinto nesses  celebrações finais, com um fundo religioso marcante e, ao mesmo, um gosto pelo consumo sempre crescente. Há uma atmosfera delirante que transforma as máquinas em agentes indispensáveis. Imagine uma quebra no sistema de celulares, sem previsão de retorno ou mesmo uma greve colossal que tumultue o fornecimento de gasolina. E se os famosos piratas de internet resolvem obstruir as comunicações virtuais? Já pensou a TV Globo não transmitir o show de Roberto Carlos ? Seria a morte de uma tradição que se arrasta, mas que consolida uma prática.

As novidades trazem perspectivas de mudança. No entanto, o que fica é o desejo de correr atrás dos presentes, aproveitar os encontros, cultivar a pressa e conquistar toques fugazes. A mobilização é quase imperativa. Procurar um esconderijo é envolver-se com as promessas de uma agência de viagem, promotora de excursões para uma ilha deserta, sem a sombra de Papai Noel ou coquetel de confraternização. A sociedade se prepara para essas datas, com muita agilidade, cercada de promoções e espertezas alucinantes.

Cada ano, o deslocamento de estratégias é maior. Muitas vezes, horários estendidos e documentários sobre os acontecimentos do ano que se finda. O mesmo, com outras luzes, esquentando paixões e firmando que o mundo é o reino das mercadorias. Se houvesse um gênio brincalhão que aprontasse uma pane geral, seria sacrificado na primeira esquina. O pecado ganha outras cores e a roupa nova muda o perfil. O perfume, o peru, o aperto de mão, a leitura de mensagens evangélicas, ocupam as residências.

Estão todos no limite, porém o ânimo ajuda. Nada de desperdiçar tão sublime momento. A crítica pede férias, o vizinho resolve dar bom-dia e pessoas trabalham mais, para poder comprar mais. Tudo passa, como uma produção cinematográfia de sucesso. Algumas notícias impactantes provocam certas preocupações e tristezas. A força das máquinas exige objetividade. No próximo ano, a coisa pode ser diferente, vamos garantir o imediato. O tempo é travessia, a vida, uma invenção. O corpo precisa de aconchego. Estamos na época das fabricações e as crenças sinalizam que os modelos são outros.

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2 Comments »

 
  • Flávia Campos disse:

    Pois é Antônio, enquanto tivermos quem pense e quem recrie a cidade, com os seus “sonhos, desejos e possibilidades de instituir os seus movimentos de solidariedade”, ela continuará sendo a grande moradia dos homens.
    Principalmente se tivermos em seu habitat “homens diferentes”, que criem com as mãos, mentes e corações mundos diferentes, futuros diferentes, como nos versos de Drummond:
    “O que faz um homem diferente de outro homem
    é o que ele pensa.
    O que o transforma, também,
    de um simples fazedor de homens,
    num criador de homens”.

    * * *
    “Meus amigos foram às ilhas.
    Ilhas perdem o homem.
    Entretanto alguns se salvaram e
    trouxeram a notícia
    que o mundo, o grande mundo está
    crescendo todos os dias,
    entre o fogo e o amor.

    Então, meu coração também pode crescer.
    Entre o amor e o fogo,
    entre a vida e o fogo,
    meu coração cresce dez metros e explode.
    – Ó, vida futura! Nós te criaremos!”

    O importante é não se deixar ilhar na cidade.
    Não destruir as pontes e sim recriá-las mais e mais!
    Sem elas, ficaremos sozinhos…
    Só pedras, só ilhas, só solidão.
    Urge recriarmos outro cenário para a cidade (repensado por Rezende), para se contrapor “a um cenário de ruínas encobertas por tecnologias que consagram o provisório e o virtual.” Um cenário de “reconstrução de trilhas, de retomada de tradições esquecidas… para que se tente olhar e viver o mundo sob o signo da esperança, da história e da cultura como campos de possibilidades e ousadias”.

    Até porque: “O tempo é travessia, a vida, uma invenção. O corpo precisa de aconchego”.
    Um abraço cheio de Natal!!!
    Flávia

  • Flávia

    Quando a cidade se tornar mesmo uma moradia, o mundo vai ser outro.
    Gostei de suas afirmações.
    abs
    antonio paulo

 

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