Os tempos e as histórias, as mudanças e as nostalgias

Quem gosta dos sinais de revolução não suporta falar de que a história reproduz corrupções, desmantelos e falta expectativa luminosa. As notícias reforçam os ares pessimistas. Quem pensa que os dias santificados amenizam as iras e as violências fica perplexo. A famosa democracia sofre danos constantes. A modernidade muda suas ilusões. Não há com vê-la como símbolo de tempo ansioso pela convivência pacífica. Tudo se reveste com apologias aos consumos e ao sucesso das vendas comerciais. As campanhas filantrópicas trazem gestos ensaiados de generosidades, mas as tensões persistem de forma globalizada.

Vamos ao passado. Visitemos as divergências religiosas medievais, as disputas dos colonizadores modernos, as vinganças políticas frequentes. Não há diferenças marcantes da época que nos cerca. Os significados são outros, porém as vítimas se multiplicam. O cinismo não se ausenta. O canto de louvor aos deuses já existia, revelando temor ou alegria. As discordâncias religiosas continuam, pois o capitalismo  se infiltra no campo das crenças com força total. Não queremos colocar todos no fogo do inferno. O reino do absoluto é uma armadilha. Existem desconfianças. O fetiche das mercadorias não é uma epidemia sem limites.

As ações solidárias se mantêm. Se tudo fosse uma corrida para assegurar privilégios, a sociedade estava no fundo do abismo. Há horizontes, não só marcas de hipocrisia. O desejo de paraísos sobrevive, vem de longe e encanta muita gente. Não se pode é esticar o fio do progresso, deixar de observar que a história possui idas e vindas. As tecnologias prometem prolongar as vidas, mas as garantias de qualidade não acompanham as conquistas dos saberes. Há quem monopolize as vantagens e a história dança em cenários nefastos. Reina a confusão, as apostas, nunca despidas de incertezas.

Os anos terminam cumprindo espaços plenos de rituais. Não adianta pedir silêncios, meditar sobre o que passou. Os templos não conseguem transmitir serenidade. Muitos proclamam que é o momento do carro novo, das ambições descartáveis. Predomina o circuito das trocas, com lamentos de nostalgia. O mundo transformou-se? Uma pergunta que inquieta. O importante é avaliar para onde caminha a transformação. Será que no próximo ano mais produtos serão negociados? E o que permaneceu? Como as aparências resistem? Qual a medida que me aproxima do outro? Cabem profecias milenaristas ou o jogo está aberto sem possibilidade definidas, esvaziando preces, consolidando planejamentos?

Quem segue as histórias, não dispensa um olhar demorado sobre o vivido, mergulha nas dúvidas. Sente que as misturas perturbam quem busca legitimar as esperanças. As modas passam, as estéticas ganham formas inusitadas, as arquiteturas não fogem de grandiosidades. O mundo não é mesmo, dizem. Uma criança morreu atingida por uma bala perdida, a especulação imobiliária penetra nos gabinetes oficiais, os cargos políticos abalam-se com as instabilidades éticas, os desastres de automóveis matam como uma guerra incessante. Cada tempo com suas amarguras. Decretar a urgência do juízo final não representa delírios? A história segue. Há abraços afetivos, aconchegantes, há filmes de magia indescritível, músicas de Chico, Vivaldi, Piazzolla, escritos de Mia Couto, Cervantes, Drummond… Existimos.

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2 Comments »

 
  • Adalva Galvão Marangon disse:

    Professor, adoro tudo o que você escreve, são textos que trazem em si imagens de um ‘real’ que nos serpenteia. Muito generoso professor Antônio Paulo Rezende, em compartilhar as suas fantásticas produções conosco. Um abraço

  • Adalva

    Grato pelo seu olhar generoso. É um estímulo e um encontro das sensibilidades.
    abs
    antonio

 

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